Profissão Polícia

Violência e educação: militarizar não é a solução!

Não há solução simples e rápida para o problema da violência escolar. A escola militarizada não é viável devido a seus custos e aos métodos e técnicas limitadas e até violentas que emprega

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Gilvan Gomes da Silva

Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade Nacional de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Recentemente algumas manifestações de violências praticadas por jovens no ambiente escolar destacaram-se no noticiário do Distrito Federal. O GDF divulgou medidas que serão implementadas para evitar a violência em ambiente escolar. Representantes de várias Secretarias de Estado foram envolvidos na produção das possíveis soluções. A conclusão do Plano está prevista para o dia 27 de abril, com implementação até o dia 6 de junho em 126 escolas que foram previamente analisadas com alto número de registros de violência. Entretanto, é interessante debater o porquê de a militarização das escolas não ter entrado no rol de soluções para contenção das violências. Como hipótese, tenho alguns apontamentos.

Primeiro, a militarização das escolas é uma solução apresentada para um problema indefinido. O que se pretende com a militarização ou gestão compartilhada? Segundo o GDF, a escolha das escolas segue o critério de Vulnerabilidade Escolar, indicador que considera o IDEB, o IDH, o mapa da violência construído pela PM e a estrutura da escola. Não significa necessariamente que haja histórico de violência na escola. Aliás, se o indicador é formado pela interpretação do IDH e IDEB, a disciplina e hierarquia como solução só reifica a solução do Estado de apresentar armas onde o problema é a oferta de equipamentos e serviços públicos, como salienta estudo da CODEPLAN que aponta a vulnerabilidade da juventude negra no DF.

Quanto ao mapa das ocorrências, recente estudo de Haydée Caruso, Paulo Junior e Sullyvan Silva problematiza a relação entre cidades com alto índice de violência e violência escolar. Segundo os dados da pesquisa, esse vínculo é relativ0, como demonstra o gráfico elaborado pelos pesquisadores.

Os dados analisados possibilitam afirmar que no DF regiões violentas não apresentam necessariamente escolas mais violentas ou o inverso. Segundo a pesquisa, na região da Fercal a taxa de homicídios era de mais de 58/100 mil habitantes em 2019 e apenas uma ocorrência escolar de 2017 a 2019. Assim como foram identificadas regiões com baixos índices de criminalidade e alta taxa de ocorrências escolares, como a do Plano Piloto, a quantidade de ocorrências escolares é elevada. Neste caso, o IDH da região é um indicador que não “permite” a militarização das escolas.

O segundo ponto a ser considerado é que a militarização foca na disciplina e na hierarquia como método para evitar a violência na escola com técnicas de vigiar e punir para a manutenção da ordem. Há códigos construídos que orientam as ações dos gestores, dos militares, dos professores e dos alunos. São documentos do GDF como, por exemplo, Manual do Aluno,  Regimento Escolar, Regulamento Disciplinar, Regulamento Básico de Uniformes, Plano Operacional e o Manual das Escolas Cívico-Militares, que é a norma orientadora nacional. É uma lógica de disciplina para todos os tipos de violências que podem ocorrer em um ambiente escolar e em todos os meios. Controle de adereços no corpo, maquiagem, corte de cabelo, roupa, fluxo de pessoas nos corredores, e punições, entre outras técnicas disciplinares, estão presentes nos regulamentos como educativo para a convivência e de formação integral. É uma solução generalista por desconsiderar a origem e a diversidade das violências e suas dinâmicas.

E o terceiro ponto é o custo de cada escola. Há um déficit no efetivo da PMDF. Antes o policiamento realizado com efetivo fixo nas escolas era na área externa. Por falta de efetivo, duplas de policiais passaram a patrulhar diversas escolas. Nas escolas militarizadas há um efetivo mínimo de 8 militares fixos em uma escola, podendo chegar até a 20 militares em algumas. Dez escolas militarizadas têm mais policiais que o efetivo disponível para policiar algumas regiões administrativas do DF. São profissionais com anos de formação, especialização e prática em policiamento desenvolvendo atividades fora da sua qualificação original. Há um duplo conflito, pois aumenta o déficit de policiamento para atividade de segurança fora da escola e “insere” profissionais na escola sem formação de ensino, tendo como única qualificação necessária ser militar. Além do efetivo, havia a previsão de um investimento de R$ 200 mil por ano em cada escola, o que é superior à maioria das previsões de outras escolas.

Por fim, a implementação da gestão compartilhada com militares teve resistência de profissionais da educação e alguns fatos foram marcados por violências. Alguns destes repercutiram no DF, como o painel de Nelson Mandela apagado pela gestão militar; a “orientação” de jovem para cortar o cabelo pois estava se camuflando entre as meninas; discussão entre militar e professora; e conflito por censura de debates. Algumas dessas violências não são pontuais, mas dentro de um conjunto de valores institucionalizadas. Dessa forma, em ambientes mais controlados há menos violência? Ou mudam os tipos de violência? O controle da violência visível exercido pela disciplina escolar militarizada diminui a prática violenta ou muda os agentes ativos e passivos com outras violências?

A avaliação final da gestão compartilhada com militares ainda precisa de tempo. Assim como a execução do Planejamento Estratégico e das ações recém-planejadas para conter as violências. Mas já é possível considerar que não há solução simples e rápida, pois o problema da violência escolar é sistêmico, complexo e de longo prazo, assim como a violência urbana, e a escola militarizada não é viável pelo método e técnicas limitadas, até violentas, e pelos custos, problema que está posto.

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