Uma nova arquitetura de segurança para as Américas
O recente acordo para implementação de um Plano de Ação Integral para o Combate ao Tráfico de Armas na América Central e República Dominicana pode ser um norte na construção de estratégias de cooperação visando ao enfrentamento do crime organizado
Ivan C. Marques
Secretário de Segurança Multidimensional da Organização dos Estados Americanos
Em tempos de pouca convergência no cenário internacional, há unanimidade de que chegamos a uma situação-limite de insegurança nas Américas. A violência, impulsionada por organizações criminosas, coloca em xeque o desenvolvimento, a convivência pacífica e até a democracia na região. Dinâmicas delitivas movimentam bilhões de dólares, alimentando verdadeiros conglomerados multinacionais do crime, que diversificam suas atividades ilícitas e estendem sua presença a múltiplos países. Ao promover essa expansão, valem-se de coligações com grupos criminosos locais, maximizam lucros e distribuem riscos, dada a desarticulação das autoridades, limitadas por jurisdições territoriais e mecanismos de colaboração ineficientes. Frente a essa realidade, é fundamental redesenhar instrumentos de cooperação transnacionais.
Nessa linha, o recente acordo para implementar um Plano de Ação Integral para o Combate ao Tráfico de Armas na América Central e República Dominicana, assinado na Organização dos Estados Americanos (OEA), pode ser um norte na construção de estratégias de cooperação entre países vizinhos. Além do combate ao tráfico de armas, o acordo apresenta um modelo para enfrentar outras manifestações do crime organizado. Explorar a ampliação desse sistema pode ser a chave para uma nova arquitetura de segurança para a região.
Um Plano de Ação Integral implica dois movimentos simultâneos e complementares: primeiro, uma reorganização interna nos países para melhorar sua governança na luta contra o crime especializado; segundo, a coordenação entre os países envolvidos com o apoio da comunidade internacional.
A reorganização interna passa por engajar agências governamentais, iniciativa privada e sociedade civil na formulação de Planos Nacionais. Estes estabelecem objetivos alinhados aos da sub-região e criam indicadores para medir sua evolução, além de abrir a oportunidade para incorporar novos atores que tradicionalmente não fazem parte dos esforços de combate ao crime. No caso do tráfico de armas, por exemplo, a participação dos serviços postais tem sido fundamental devido à forma como os criminosos utilizam esse serviço para enviar peças e componentes. Os Planos Nacionais criam também estruturas de governança permanentes que ultrapassam a rotatividade dos governos. Dado o esforço interno de mobilização, almeja-se, ainda, que o combate ao crime organizado seja elevado a prioridade política em cada um dos países.
A coordenação internacional, por sua vez, garante um sistema de colaboração para supervisão e acompanhamento contínuo dos Planos. Organismos internacionais, como a OEA e a ONU, têm desempenhado esse papel de garantidor dos acordos e prestador de assistência técnica aos países. Ademais, são convidados a participar de bancos de desenvolvimento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento das Américas e do Caribe (CAF), além de ONGs especializadas, consolidando apoio financeiro e técnico aos países. Por fim, os Planos de Ação dividem as Américas em sub-regiões de trabalho, o que facilita sua execução e a busca por consensos políticos, valendo-se das semelhanças socioeconômicas e dinâmicas criminais comuns, tornando factível a implementação de objetivos comuns.
Não é mera casualidade que este modelo de cooperação tenha avançado na América Central e no Caribe. A violência e a criminalidade são fatores determinantes para o crescimento do investimento privado, a redução dos fluxos migratórios forçados, a preservação do Estado de Direito e da Democracia. Sobretudo, continua sendo uma questão de vida e morte para milhares de pessoas todos os dias.
Neste cenário, ganha relevância um movimento internacional para priorizar o combate ao crime organizado nas Américas. O Fundo Monetário Internacional lançou em dezembro de 2024 um estudo que relaciona criminalidade, insegurança e baixo crescimento econômico na América Latina, evidenciando como esses fenômenos se retroalimentam. Também em dezembro, o BID inaugurou sua Aliança para Segurança, Justiça e Desenvolvimento – iniciativa que proporcionará recursos para políticas de combate ao crime organizado.
Paralelamente, a 61ª Conferência de Segurança de Munique concluiu que o crime organizado transnacional é uma das maiores ameaças à segurança global e seu combate deve ser uma prioridade para todos os países. Entre as recomendações sobre como avançar nesta tarefa estão o fortalecimento das capacidades estatais na luta contra o crime por meio da construção de resiliências locais e o aumento intensivo da cooperação internacional, incluindo o avanço na construção de quadros legais comuns, operações policiais compartilhadas e troca de informações em tempo real entre países.
Esse consenso emergente entre atores internacionais representa uma janela de oportunidade histórica para a região, que pode se beneficiar do conhecimento técnico acumulado, do investimento financeiro e da capacidade de coordenação que a comunidade internacional pode oferecer.
A ameaça existencial do crime organizado exige uma resposta à altura, inovadora, audaciosa e, acima de tudo, coordenada. O modelo do Plano de Ação Integral consolida um mecanismo de cooperação sub-regional que transcende as limitações da soberania tradicional e abre caminho para uma nova arquitetura de segurança hemisférica. Bem aproveitada, essa macroestrutura têm enorme potencial de catalisar o trabalho realizado pelos países de maneira individual e permitir os avanços necessários para uma América mais segura e próspera.