Profissão Polícia

Transferência de Marcola e resultados esperados na segurança pública

Investir em inteligência não significa priorizar uma instituição em detrimento da outra. O sistema de segurança pública é complexo. Todavia, a ausência de coordenação nacional reduz a eficácia e a eficiência desse sistema

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Gilvan Gomes da Silva

Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade Nacional de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No dia 3 de março, Marcola foi transferido de Brasília para Rondônia. Marcola estava em Brasília desde 2019, quando foi transferido juntamente com outros 22 líderes de organizações criminosas para presídios sob responsabilidade do Governo Federal. Com a chegada de Marcola, também foi crescente a preocupação das autoridades de segurança pública locais sobre a possível instalação e atuação do PCC no DF ou nas cidades próximas de Minas Gerais e Goiás, pois, em 2001, sua primeira passagem no DF saindo de Ijuí (RS) resultou na criação do grupo Paz, Liberdade e Direito e, como uma das consequências, houve uma rebelião no sistema prisional brasiliense. Desta vez, um possível plano de resgate teria acelerado a transferência, o segundo alerta desde a chegada, em 2019. O primeiro mobilizou o Exército.

Todavia, a mudança constante de líderes de organizações criminosas entre presídios estaduais e para federais com a preocupação dos agentes de segurança pública não é um fato isolado. Justamente porque a interação criminal dentro e fora dos muros dos presídios mudou e as agências de segurança pública tentam acompanhar as novas dinâmicas. A ação criminosa mudou em complexidade e objetivo. As outras condutas criminosas continuam, são mais presentes na sociedade, mas as ações criminosas dos integrantes das facções que impactam mais a sensação de segurança pautam discursos políticos e movimentam diversos mercados racionalmente.

O roubo no/a banco mudou, por exemplo. Passou de um roubo de oportunidade a quem retirou grande quantia em dinheiro, com pouco planejamento e armamento até alugado para roubo ao estabelecimento bancário, com maior planejamento, poder bélico, e rede de informações; até chegar à modalidade denominada de “novo cangaço”, com altíssimos planejamento, poder bélico, redes envolvidas e suporte logístico.

Essa dinâmica, quando analisados outros crimes, tem relação direta com as mudanças organizacionais criminosas. De pequenos grupos para médios e grandes grupos com redes de informação e de mercados (armas, drogas, imóveis, financeiro e até mesmo de minérios) estabelecidos local, regional e nacionalmente e, em algumas grupos, até internacionais.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2018, houve uma nacionalização de alguns grupos, e há uma diversidade de facções prisionais nas unidades federativas. Alguns destes grupos concorrem, outros aliam-se em uma “paz” frágil.

Mapa: Facções prisionais no Brasil, 2018

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Edição Especial, 2018.

Observando o mapa elaborado por Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso, há algumas questões pertinentes quando contextualizado com a lógica das transferências. O que fazer com os líderes de facções, sendo que, no caso do PCC, é quase uma organização nacional? As transferências têm limites de eficácia?  O que as instituições de segurança têm realizado? Se a dinâmica da atividade criminosa mudou, estabelecendo redes, aumentando a capilaridade de recrutamento, aumentando a capacidade de atividade de inteligência, poder bélico, diversificando os objetivos, entre outros, quais as mudanças nas instituições e nas atividades de segurança pública?

Como apontado pelos pesquisadores, o policiamento militarizado focado no confronto em detrimento de investigações e inteligência, isto é, na nossa interpretação, o combate que resulta em ação performática midiática fatalista em detrimento das ações “ocultas” e discretas que resultam em maior elucidação de autoria e culpabilidade de crimes (assim como as redes associadas) tem como consequência a rotina de prisões em flagrante e a alta taxa de letalidade (de ambos os que confrontam ou testemunham).

Investir em inteligência não significa priorizar uma instituição em detrimento da outra. O sistema de segurança pública é complexo. Todavia, a ausência de coordenação nacional reduz a eficácia e a eficiência desse sistema. As várias agências de inteligências produzem informações que não se comunicam, mesmo no próprio município. Guardas Municipais, Polícias Militares, Polícias Civis, Polícia Rodoviária, Polícia Federal, Receita Federal, entre outras instituições estatais, produzem informações básicas, mas não há sequer um padrão de quais informações são necessárias e um sistema capilar de captação e tratamento dos dados. Se há facção em todos os municípios, os integrantes dessas instituições têm conhecimento de qual facção está na área em que trabalha? Quais segmentos econômicos das facções (roubo, tráfico, imóvel)? Por outro lado, as políticas de segurança pública contemplam a atuação das facções intra e extra muros? Por exemplo, considerando as diversas etapas de associação à facção, há políticas de prevenção às diversas formas de recrutamento.

Entretanto, o que se percebe é o “negacionismo” das consequências das ações das facções, o que é compreensível até certo nível para não diminuir a sensação de segurança e para não criar um símbolo da criminalidade. Todavia, até mesmo profissionais de segurança não percebem o impacto das ações das facções como, por exemplo, a influência nas taxas de redução ou aumento nas taxas de homicídio, no fluxo dos veículos ou o custo dos serviços em determinados espaços, o impacto do desregramento da posse de arma e munições nas atividades planejadas, entre outras.

Desta forma, há mais questões em aberto do que respostas, pois há a necessidade de mudança desde a formação profissional à política de segurança. As possíveis soluções não são visíveis tanto quanto transportar um líder nacionalmente (que tem resultado pontual) e, para questões políticas-partidárias, uma política de segurança de longo prazo necessária não geraria o capital político para ser pautada.

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