Isângelo Senna da Costa
Mestre e doutor em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações (UnB). Tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal. Coordenador de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal
“Os crimes estão diminuindo. Agora chegou a hora de reduzir o medo do crime”. A matéria do jornal britânico The Guardian destaca a redução acentuada dos registros criminais no Reino Unido ocorrida há pouco mais de uma década. Todavia, poderia muito bem se tratar de manchete de um veículo de comunicação brasileiro.
A despeito dos desafios colossais que ainda precisam ser vencidos quanto ao crime e ao medo da violência no Brasil, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 indicou reduções significativas nos crimes violentos intencionais e nos crimes de rua no país. No Distrito Federal, em 2024, por exemplo, foi registrada a menor taxa de homicídios dos últimos 48 anos. O mesmo vem ocorrendo com crimes como roubos e furtos (SSPDF, 2025). Ainda assim, o crime e a sensação de insegurança continuam sendo pautas onipresentes no quotidiano dos brasileiros.
O medo do crime, em sua dimensão situacional, pode ser disparado por situações específicas encontradas no ambiente físico, tornando-se um tema complexo e multifacetado que afeta a qualidade de vida das pessoas e a segurança pública.
Para aprofundar esse debate, serão abordados alguns resultados de uma pesquisa realizada no Distrito Federal, em sede de doutorado, que investigou as variáveis demográficas e ambientais que influenciam o medo do crime, com enfoque nas estratégias da CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design).
A CPTED é uma abordagem que visa prevenir o crime através do design apropriado e da gestão dos ambientes físicos. A CPTED busca criar espaços urbanos e rurais que sejam menos propensos ao crime, mediante a implementação de estratégias que visam à redução das oportunidades para o crime e à elevação da percepção de segurança das pessoas. Isso pode incluir desde a iluminação pública até o design de espaços públicos e privados, com o objetivo de criar ambientes mais seguros em concreto (segurança real) e em abstrato (segurança percebida).
A pesquisa foi realizada em 58 ambientes públicos distintos, com uma amostra de 1.630 participantes no primeiro momento e 1.590 no segundo, em condições climáticas diferentes: o primeiro teste ocorreu em um período de baixa umidade e ausência de chuvas na Capital Federal, enquanto o segundo foi realizado em período úmido e chuvoso. Apesar dessas diferenças, os instrumentos utilizados mantiveram suas propriedades de medida. O estudo testou o efeito das dimensões da CPTED no medo do crime, utilizando a Escala de Medo do Crime em Espaços Públicos (EMSCEP) e o Inventário CPTED para Espaços Públicos (Senna, 2022).
Em linha com a literatura internacional, os resultados do estudo mostraram que as mulheres tendem a ter maiores escores de medo do crime do que os homens, especialmente. Além disso, as pessoas com mais idade e com menor grau de instrução também apresentaram maiores escores de medo do crime. Comparando o efeito das variáveis demográficas, a variável sexo apresentou maior influência no medo do crime em comparação ao grau de instrução e à idade.
Outro achado importante foi que pessoas que têm filhos abaixo de 13 anos tendem a ter mais medo do crime, o que sugere que essa sensação pode ser influenciada pela preocupação com a segurança dos familiares e amigos, conhecida como medo altruísta.
A pesquisa também investigou as variáveis ambientais e mostrou que as pessoas tendem a se sentir mais seguras em suas próprias vizinhanças. Além disso, a CPTED foi eficaz em prever os escores de medo do crime, com o modelo composto pelas variáveis clássicas da CPTED (Territorialidade, Manutenção e Vigilância Natural) sendo o mais parcimonioso.
A variável Vigilância Natural mostrou ter mais efeitos em locais mais neutros (parques e estacionamentos públicos). Já a Territorialidade revelou maior impacto em áreas residenciais. Em termos práticos, em locais menos conhecidos as pessoas mostraram ter maior preocupação quanto a poder ver e serem vistas. Por sua vez, em locais conhecidos, as pessoas tenderiam a prezar mais pela ausências de desordens tais como acúmulo de lixo e equipamentos públicos pichados ou danificados.
Esses resultados têm implicações importantes para a segurança pública, pois a identificação de perfis de pessoas que tendem a ter mais medo do crime pode ajudar a desenvolver políticas públicas e tecnologias sociais mais eficazes e segmentadas para reduzir o medo do crime e melhorar a segurança pública. Da mesma forma, a melhor compreensão do impacto das variáveis ambientais na sensação de segurança pode ajudar a atrair comportamentos pró-sociais e a inibir comportamentos nocivos para os espaços públicos.
Em resumo, a pesquisa mostrou que o medo do crime é influenciado por uma combinação de variáveis demográficas e ambientais. A compreensão dessas variáveis pode ajudar a desenvolver estratégias mais eficazes para reduzir o medo do crime e melhorar a segurança pública. No entanto, é fundamental que o país continue se esforçando para reduzir o crime e a violência, pois a segurança pública é um direito fundamental de todos os cidadãos. Ao abordar tanto o crime quanto o medo do crime, podemos criar comunidades mais seguras e melhorar a qualidade de vida das pessoas.