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Racialização, xenofobia e cultura do empregador que tudo pode

As estratégias de não enfrentamento do racismo estão sempre a negar os fatos racializados. Isso alcança a imprensa, os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, bem como toda a estrutura de educação nacional

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Martim Cabeleira de Moraes Júnior

Sociólogo e Professor de Filosofia

Quais os limites do “poder” de um empregador sobre os direitos do empregado? Todos os limites baseados na igualdade.

Empregar alguém é um ato de caridade? Não. É um contrato de relação de trabalho. Como parece difícil entender que o trabalho humano é uma necessidade de ambas as partes, como já ensina Hegel, de certa forma, na Dialética do Senhor e do escravo.

Recentemente, mais uma vez o Brasil assiste a uma cena brutal de racismo, xenofobia, violência e abuso. Trata-se do assassinato do cidadão congolês Moïse Kabahambe, de 24 anos. Ele foi espancado brutalmente até a morte. Motivo: cobrava do seu empregador os seus direitos. Cenas como essa, infelizmente, não são tão raras, ressalvadas as diferentes nuances, nacionalidades e lugares pelo Brasil, um país que traz na sua formação política, econômica, social, cultural e política a ferida sangrenta e danosa da concordância por séculos da exploração da escravização humana.

O Congo sofreu (e ainda sofre) com a destruição pela ganância e relações de dominação perpetradas em sua história. Agora, como símbolo sinistro do século XXI, em um país que se pauta por legislação democrática e que valoriza a liberdade de trabalho, observa-se, diante de todo o mundo, a trágica consequência de um sistema de mercado que ainda considera o trabalho um favor, o empregado, um servo, e que, quanto mais escura a sua pele, menor respeito se deve.

Evidencia-se a diferença salarial nos mesmos empregos quando as pessoas são negras ou não negras, bem como diferenças de gênero e orientação sexual. Por outro lado, surge o ódio de todos contra todos, fazendo pensar que punição com encarceramento ou mais violência pode resolver a questão.

Recentemente a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, passou a ter status de Emenda Constitucional no Brasil.

O texto da legislação dispõe:

Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial.

Porém, infelizmente, ainda se está longe de tratar as questões de racismo estrutural e estruturante no Brasil como algo enraizado na cultura nacional.

Silvio Almeida trata de explicar detalhadamente as relações históricas entre racismo e subjetividade, racismo e Estado, e racismo e economia. Neste caminho, o autor explica como se dá a estruturação social (e cultural) do racismo na sociedade brasileira.

ESTRATÉGIAS DE (NÃO) ENFRENTAMENTO DO RACISMO ESTRUTURAL

As estratégias de não enfrentamento do racismo estão sempre a negar os fatos racializados. Isso alcança a imprensa, os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, bem como toda a estrutura de educação nacional. Assim, há sempre a tentativa de tratar casos de xenofobia, LGBTfobia e racismo como algo isolado e pontual, mesmo quando está evidente o centro da questão.

Porém, como soluções possíveis, envolvidas em tantos séculos de sofrimento, começa a se formar uma noção de que a punição jurídica, por si só, poderia melhorar a situação. Quando o jurídico é só uma parte do sistema geral de engrenagens do racismo estrutural geral.

Como já mencionado em outras situações comentadas nesse âmbito: conceitos como o Racismo recreativo, Racismo estrutural e Racismo à brasileira podem servir de excelentes referenciais para ampla discussão com viés dialético-crítico.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública se abre para ampla discussão sobre o tema. Não se pode calar quem construiu (e segue construindo) a grandeza social, cultural e econômica de um País. A violência da dominação e sujeição brutal dos corpos precisa ser mostrada, pesquisada, discutida. Os Poderes estatais não podem prosseguir negando as necessidades urgentes de intervenção nas questões de racialização e xenofobia. São fundamentais para uma Nação democrática a visibilidade e o enfrentamento do problema, que está cada vez mais evidente, mais triste, mais efervescente.

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