Multiplas Vozes 28/09/2022

Por uma eleição segura e sem pânico

É possível reduzir a probabilidade de abstenção mediante a atenuação do medo da violência. Para tanto, é fundamental que os governos estaduais tornem públicos seus planos de segurança para o dia de votação

Compartilhe

Luis Flavio Sapori

Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública

A eleição presidencial deste ano é marcada por uma polarização político-ideológica que se não se observava no Brasil há muito tempo. A priori isso não constitui um problema, seja do ponto de vista da democracia ou mesmo da segurança pública. Divergências quanto a valores morais e crenças políticas são salutares, evidenciam a pluralidade da vida moderna. O conflito e confronto dessas divergências são inerentes à dinâmica da democracia, pressupondo-se que acontecerão através de meios pacíficos. A violência não faz parte das regras do jogo, pelo menos como o concebemos nos últimos duzentos anos.

Temos motivos, contudo, para destacar os riscos da conjuntura política nacional. Ânimos exaltados, discussões apaixonadas e desdobramentos em agressões físicas e eventuais assassinatos compõem o atual cenário. Não é casual que 67% dos eleitores brasileiros tenham medo de serem agredidos fisicamente por sua escolha política ou partidária, conforme pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Raps ao Datafolha. E não há como negar que os principais perpetradores dessa violência são defensores ou militantes do bolsonarismo. Trata-se de um fato.

Considerando essa realidade, muito se especula sobre eventual crescimento da abstenção do eleitorado. Dado que o medo passou a compor os parâmetros decisórios de parte expressiva dos eleitores, não se arriscar a ser vítima da violência, mediante o não deslocamento até o local de votação,  torna-se alternativa racional do curso de ação. Não temos condições de afirmar em que medida isso vai acontecer. Por enquanto, estamos lidando com a probabilidade da ocorrência de um fenômeno social.

É possível reduzir essa probabilidade de abstenção mediante a atenuação do medo da violência. Para tanto, é fundamental que os governos estaduais, através das respectivas secretarias de segurança pública, tornem públicos seus planos de segurança para o dia de votação. Aliás, antes de tudo, esses planos devem ser elaborados.  A atual conjuntura política, conforme já salientado, é delicada e assim deve ser compreendida pelas autoridades estaduais da segurança pública. Não se pode fazer o que sempre foi feito, simplesmente repetindo protocolos adotados em pleitos eleitorais anteriores.

Bom exemplo nesse sentido é o esquema de segurança anunciado parcialmente pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). Definiram um protocolo de ações integradas para garantir que o processo eleitoral ocorra sem transtornos, o que inclui intervenções no trânsito, policiamento reforçado e a restrição do acesso à Esplanada dos Ministérios. Será emitida uma lista de itens  proibidos para acesso ao local, como objetos cortantes, fogos de artifício e hastes de bandeiras.  Os demais estados brasileiros devem fazer o mesmo, considerando as especificidades das realidades locais.  Algumas medidas restritivas convencionais são inevitáveis, e devem ser reforçadas, como a proibição do comércio de bebidas alcoólicas e o consumo delas em espaços públicos. Seria adequado também reforçar o patrulhamento ostensivo das vias públicas no dia da votação, garantindo o máximo possível de visibilidade das forças policiais. Não se deve descartar também a possibilidade da realização de blitze focadas na apreensão de armas de fogo. Bebida alcoólica e arma de fogo constituem mistura explosiva em contextos sociais muito conflituosos, merecendo assim repressão qualificada mais incisiva.

A despeito da relevância desses planos de segurança, não há motivo para pânico. Não estamos à beira de um cenário hobbesiano no qual bolsonaristas e petistas se digladiariam  nas ruas. O risco de violência ao qual nos referimos nesse artigo não chega a tal ponto. Eis, inclusive, um potencializador do medo do eleitorado a ser devidamente mitigado. E os principais meios de comunicação de massa do país podem  colaborar evitando a cobertura sensacionalista de casos pontuais de violência. O medo das pessoas é muito impactado pelo que leem nas redes sociais, o que ouvem nas emissoras de rádio e o que veem na televisão. A cobertura jornalística sensata e equilibrada de eventuais casos de violência política que venham a ocorrer até o dia da votação é muito importante.

Finalizo ressaltando o momento histórico que vivencia a sociedade brasileira. Após trinta anos da promulgação da Constituição Cidadã, nos encontramos diante da tarefa de reafirmar a democracia. Essa instituição política é recheada de defeitos e efeitos colaterais, sendo, porém, a mais adequada para lidar com sociedades plurais em valores, crenças e interesses. A democracia é uma conquista da humanidade, mas sua longevidade depende da constante reafirmação da legitimidade das regras que a conformam. Viva a democracia !

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES