Multiplas Vozes 15/02/2023

O legado de Maria Stela Grossi Porto

Seu olhar curioso, sua leitura criativa e seu rigor analítico dos fenômenos sociais, que deram um sentido profundo e sofisticado às suas reflexões, vão fazer muita falta para as ciências sociais no Brasil

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Paula Poncioni

Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, professora do Departamento de Política Social e Serviço Social Aplicado da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A trajetória profissional de Maria Stela Grossi Porto, falecida no dia 8 de janeiro do ano em curso, traduz as múltiplas facetas do ofício de socióloga: como docente foi professora concursada no departamento de sociologia da Universidade de Brasília (1987), passando a professora titular (2011), e professora emérita (2017) pela mesma universidade, e como pesquisadora contribuiu sobremaneira para a análise da realidade com uma perspectiva inovadora na problematização das questões afetas ao fenômeno da violência e suas variadas expressões ao incorporar a Teoria das Representações Sociais fundamentada nas contribuições de Serge Moscovici e de Denise Jodelet.

Seus trabalhos são marcados não apenas pela reflexão teórica, mas também pela pesquisa empírica, resultando em diversos artigos, livros e relatórios de pesquisa que levantam questões cuja ênfase recai no campo das relações sociais, espaço por excelência da explicação sociológica.

Para além dos muros da universidade, ela também atuou de forma expressiva nos espaços de produção e trocas acadêmicas em instituições como a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Internacional Sociological Association (ISA).

Do mesmo modo, teve uma participação importante junto a agências de Ciência e Tecnologia como o CNPq e a CAPES, atuando em Comitês de Área de Sociologia em ambas as instituições

Destaca-se que na SBS foi pioneira, como a primeira mulher a dirigir a instituição (2003-2005), mantendo um forte vínculo com ela ao longo de décadas, por intermédio de sua participação em comitês acadêmicos, na presidência de congresso, e especialmente, da coordenação ininterrupta do Grupo de Trabalho “Violência e Sociedade”, criado nos anos 90, posteriormente convertido em Comitê de Pesquisa “Sociologia da Violência” (2016), cujo enfoque incide na área de estudos sobre violência, polícia e justiça no Brasil.

Ao longo de sua inserção no campo da sociologia da violência coordenou o Núcleo de Estudos da Violência e Segurança (NEVIS/UnB), no qual atuou desde sua criação em dezembro de 2006, associando-se a outros pesquisadores, como Luiz Antônio Machado da Silva (UFRJ/IESP), com vistas a compreender o fenômeno da(s) violência(s) no Brasil. Também participou do INCT “Violência, democracia e segurança cidadã”, juntamente com Sérgio Adorno (USP), seu coordenador, José Vicente Tavares (URGS), César Barreira (UFC), Renato Sérgio de Lima (FBSP) e Michel Misse (UFRJ), dentre outros que, em meados dos anos 90, formaram uma rede de Grupos e Núcleos de Pesquisa sobre a Violência, atraindo toda uma nova geração de pesquisadores que passou a se dedicar ao exame da temática, em suas múltiplas dimensões (SALLAS, 2023).

Falar da socióloga Maria Stela significa trazer à tona reflexões teóricas e conceituais profícuas para a análise científica – rigorosa e sistemática – acerca da(s) violência(s) e questões de legitimidade, bem como sobre o lugar do sujeito e de sua condição de ator no mundo social, em particular, na sociedade brasileira.

Sem dúvida, Maria Stela foi uma profissional com enorme importância na construção do campo da Sociologia no Brasil e de sua institucionalização. Mas não apenas! Ao longo do seu vasto período como docente e pesquisadora, podem-se apreender dois aspectos fundamentais na sua relação com seus pares, seus alunos, seus orientandos e seus supervisados: o acolhimento aos muitos objetos de estudo, recortes e procedimentos metodológicos e o compartilhamento acadêmico – generoso e delicado – cultivado por ela. Consequentemente, muitas dessas relações profissionais foram convertidas em vínculos de amizade e de afeto genuínos, nas quais eu me incluo.

Maria Stela nos deixou em um momento de grande preocupação com os rumos da democracia no nosso país, e seu olhar curioso, sua leitura criativa e seu rigor analítico dos fenômenos sociais, que deram um sentido profundo e sofisticado às suas reflexões, vão fazer muita falta para as ciências sociais no Brasil.

 

Para conhecer um pouco sobre o trabalho de Maria Stela Grossi Porto:

PORTO, Maria Stela Grossi (Org.) Sociedade e Estado. 02. ed. Brasília: Editora UnB-, 1995. v. X. 260p

PORTO, Maria Stela Grossi (Org.) Politizando a Tecnologia no Campo Brasileiro– Dimensões e Olhares. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.

PORTO, Maria Stela Grossi. Análise weberiana da violência. In: COELHO, Francisca Pinheiro; BANDEIRA, Lourdes; MENEZES, Marilde Loiola (organizadoras). Política, Ciência e Cultura em Max Weber, Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p.311-329.

PORTO, Maria Stela Grossi. Sociologia da Violência do Conceito às Representações Sociais. 1a.. ed. Brasília: Ed. Francis/Verbena, 2010. v. 1. 336p

PORTO, Maria Stela Grossi. Violência, Democracia e Segurança Cidadã: o caso das polícias no Distrito Federal. 1. ed. Brasília: Verbena, 2017. v. 1. 224p

PORTO, Maria Stela Grossi. Repensando Travessias – o Fazer Sociológico. Curitiba: Appris Editora, 2018.

LIMA, Renato S.; RATTON, José L. (Org.). As Ciências Sociais e os pioneiros nos estudos sobre crime, violência e direitos humanos no Brasil. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Urbania; ANPOCS, 2011.

PORTO, Maria Stela Grossi. Maria Stela Grossi Porto (depoimento, 2018). Rio de Janeiro, CPDOC/Fundação Getúlio Vargas (FGV), (2h 5min). Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/cientistassociais/mariastelagrossi

FACHINETTO, Rochele F. et al. As linhagens de descendência acadêmica dos pesquisadores “pioneiros” nos estudos sobre violência, crime e justiça criminal no Brasil (1970-2018). BIB, São Paulo, n. 91, p. 1-39, 2020.

SALLAS, Ana Luisa Fayet. Bionota Maria Stela Grossi Porto, Sociedade Brasileira de Sociologia, 2023. Disponível em: https://sbsociologia.com.br/project/maria-stela-grossi-porto/. Acesso em: 04/02/2023.

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