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Espírito Santo dá o exemplo

É preciso reconhecer o avanço de um estado que em fins da primeira década deste século figurava entre os cinco mais violentos do país. No ano de 2021, o estado registrou 1.060 homicídios dolosos, o segundo menor patamar desde 1996

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Luis Flavio Sapori

Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública

São recorrentes as lamúrias entre os estudiosos da segurança pública diante da persistência dos elevados patamares de criminalidade violenta na sociedade brasileira. Prevalece a percepção de que os esforços realizados em décadas recentes não conseguiram induzir o avanço qualitativo das políticas públicas de controle da criminalidade. As razões para tanto não faltam, potencializadas pelo contexto político nacional que tem propiciado nítido retrocesso na atuação do poder público no setor, especialmente na esfera federal.

Entretanto, temos bons motivos para acreditar que nem tudo está perdido. Não se pode afirmar que a segurança pública é terra arrasada em todo o território nacional. Persistem poucas, mas boas iniciativas no âmbito estadual que estão alcançando resultados bastante satisfatórios na redução da violência. Destaco os casos dos estados de São Paulo, Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais e Espírito Santo. Nessas unidades da federação observa-se queda consistente dos indicadores de criminalidade violenta, com destaque para os homicídios.

Merece menção honrosa nesse seleto grupo o Espírito Santo. No ano de 2021 o estado registrou 1.060 homicídios dolosos, o segundo menor patamar desde 1996. Comparativamente ao ano de 2009, quando foi atingido o pico de 2.034 homicídios dolosos, constata-se expressiva redução na incidência do fenômeno, próxima a 50%. Em termos relativos, a taxa atual de homicídios é de 25,8 por 100 mil habitantes. Muito elevada ainda, sinalizando que não há motivos para celebração. Porém, é preciso reconhecer o avanço de um estado que em fins da primeira década deste século figurava entre os cinco mais violentos do país.

Mais relevante é reconhecer que tal avanço não foi aleatório ou mesmo fruto de mudanças na estrutura socioeconômica. A redução dos homicídios dolosos no Espírito Santo tem ocorrido em função da boa governança local da segurança pública. Em outras palavras, a política pública de controle da criminalidade implementada desde 2011 é a principal responsável por tamanho feito. E essa política pública tem nome. Trata-se do Estado Presente.

Caracteriza-se pela implementação de ações diversas em dois grandes eixos estratégicos, a saber, proteção policial e proteção social. Combina, nesse sentido, a perspectiva da repressão qualificada da criminalidade com a perspectiva da prevenção social da criminalidade, evitando o maniqueísmo tão recorrente no debate nacional que insiste na falsa oposição entre ambas. No eixo da proteção policial constam a modernização do sistema de segurança pública, a integração operacional e gestão compartilhada da responsabilidade territorial, o enfrentamento qualificado do crime com estratégias específicas. No eixo da proteção social, por sua vez, destacam-se ações de redução da vulnerabilidade juvenil, inclusão e garantia de direitos, mediação de conflitos e mobilização social.

Aspecto decisivo do Estado Presente é a governança das organizações policiais orientada para o alcance de resultados. Metas de redução dos homicídios são estabelecidas, prevendo-se a ação articulada da Polícia Militar e da Polícia Civil no âmbito das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP). Há utilização intensiva de análises estatísticas criminais bem como de tecnologia e inteligência policial. E quem exerce diretamente o monitoramento de todo o processo de gestão é o governador Renato Casagrande, em reuniões periódicas. A liderança da autoridade máxima do executivo estadual é fundamental para o sucesso do Estado Presente.  Nesse sentido, o Espírito Santo inspira-se no modelo de governança da segurança pública também exitoso de Pernambuco, que se notabilizou pelo programa Pacto pela Vida.

Bons governos salvam vidas, sempre me dizia o saudoso amigo Glaucio Ary Dillon Soares. E o estado do Espírito Santo é evidência concreta dessa máxima. Fatores econômicos e sociais afetam a dinâmica da criminalidade, não há dúvida. Porém, é possível reduzir a criminalidade violenta mediante a adoção de política de segurança pública consistente. Tais políticas não são curas, são controles. Demoram a produzir frutos e mesmo depois de conter o crime não podem ser abandonadas. A continuidade ao longo do tempo é imprescindível. E o estado do Espírito Santo tem conseguido seguir essa diretriz, a despeito dos tropeços verificados entre 2016 e 2018. Finalizo reafirmando minha convicção de que a segurança pública no Brasil tem jeito!

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