Segurança Pública na Amazônia 24/04/2024

Novo estudo do FBSP aprofunda compreensão sobre as dinâmicas do garimpo ilegal na Amazônia

"A nova corrida do ouro na Amazônia: garimpo ilegal e violência na floresta", lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Mãe Crioula, com apoio do Instituto Clima e Sociedade, busca compreender o fenômeno do garimpo ilegal em Roraima e no Pará

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Marina Bohnenberger

Antropóloga e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Desde 2020, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública vem se debruçando sobre as dinâmicas de violência da Amazônia brasileira. De lá para cá, atuamos entre a tradicional frente de coleta, tratamento e sistematização de registros criminais oficiais e o trabalho de campo, visitando instituições na região para conversar com pessoas in loco e ter uma compreensão mais qualificada dos fenômenos.

A violência na Amazônia diz respeito a um complexo emaranhamento de fatores que resultam em graves ameaças aos territórios e às pessoas que neles habitam e, assim, os protegem. Nos últimos anos, os crimes ambientais e as dinâmicas próprias da região, estratégica para o narcotráfico internacional, contribuíram para o agravamento de um cenário, que não é novo, mas que se transformou e se intensificou, exigindo hoje uma dedicação maior das pesquisas: o garimpo ilegal de ouro.

O estopim que trouxe a questão a público de forma mais contundente foi a crise na Terra Indígena Yanomami (TIY), no estado de Roraima, em janeiro de 2023, e chamou atenção para a grave situação dos indígenas devido ao avanço não controlado do garimpo ilegal dentro do território. O artigo 231 da Constituição Federal veda a lavra garimpeira em TIs, sendo ilegal, portanto, toda prática de extração mineral nessas áreas. Insegurança alimentar, graves casos de desnutrição, contaminação dos rios e ausência de assistência estatal em diversas frentes foram alguns dos fatores que levaram os Yanomami a uma situação limítrofe. Após anos de um governo pró-garimpo que desarticulou as frentes de proteção do território, a posse do novo governo federal significou a promulgação de medidas de enfrentamento à emergência em saúde pública na região e o aporte de iniciativas estatais para desintrusão dos garimpeiros da TI, com esforços conjuntos da segurança pública e da fiscalização ambiental.

Em paralelo a esse cenário excepcional em Roraima, mas com menos visibilidade da imprensa e da atenção pública, uma outra localidade também se destacava pela magnitude das atividades de extração mineral: o sudoeste do Pará, na região do Vale do Rio Tapajós. Dados do MapBiomas revelam que o Pará foi o estado com maior área minerada em 2022, que também bateu recorde em Unidades de Conservação desmatadas.

Diante desses dois distintos cenários nos quais o garimpo é o protagonista, surgiu a necessidade de realizar uma pesquisa de maior densidade nessas duas regiões, cujo resultado foi a publicação A nova corrida do ouro na Amazônia: garimpo ilegal e violência na floresta, lançada na semana passada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Mãe Crioula e com apoio do Instituto Clima e Sociedade.

O estudo buscou compreender o fenômeno do garimpo ilegal em Roraima e no Pará através de pesquisas de campo nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Santarém, no Pará, e nas cidades de Boa Vista e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), em Roraima. Foram realizadas dezenas de entrevistas com profissionais de segurança pública e da fiscalização ambiental, além de observações etnográficas e conversas informais com garimpeiros e moradores que permitiram desenhar um quadro comparativo dos desafios enfrentados em cada região e das iniciativas levadas a cabo para combater o garimpo.

No que diz respeito à relação entre garimpo e outros crimes, especialmente o narcotráfico, as duas regiões têm características distintas. Em Roraima, na TIY, o PCC está presente por meio de indivíduos faccionados que atuam não apenas no fornecimento de drogas para consumo local, mas também como segurança armada de garimpeiros, na gestão de prostíbulos e na própria extração do ouro, ainda que de modo inicial. No rio Tapajós, é o Comando Vermelho (CV) que predominantemente controla o tráfico de drogas, principalmente no varejo e no domínio territorial. Em ambas as áreas, a logística aérea – incluindo aeronaves, pilotos e pistas – é de interesse tanto para o narcotráfico quanto para o garimpo, formando assim um ponto de conexão significativo que dá origem ao fenômeno conhecido como narcogarimpo.

Além de terem um histórico de formação bastante ligado ao garimpo e da presença de organizações criminosas em conexão com as atividades de extração aurífera, as duas regiões se aproximam também pelo fato de haver um fluxo entre as dinâmicas garimpeiras. Especialmente durante períodos de aumento da fiscalização, os garimpeiros transitam entre as duas áreas em busca de trabalho. Porém, a interconexão entre as duas regiões fica ainda mais evidenciada pelo fato de que o Pará funciona como um polo de “esquentamento” (regularização) do ouro ilegal proveniente de Roraima, uma vez que há áreas de mineração permitida na região e a cadeia de regulação do ouro é repleta de fragilidades.

Assim, ao apresentar os dois casos em conjunto, o estudo possibilita uma compreensão mais abrangente das interações entre o garimpo ilegal, a violência e o narcotráfico na Amazônia, também apontando para gargalos e melhorias nas operações e políticas públicas locais a partir de relatos dos próprios profissionais que atuam na região, de modo a considerar suas particularidades e o tamanho do desafio enfrentado.

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