Segurança Pública na Amazônia 31/01/2024

Narcogarimpo na Amazônia

A frágil cadeia de controle do ouro permite utilizar o minério para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, além da possibilidade de aplicar recursos ilícitos nas atividades de garimpo, diversificando os investimentos

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Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Instituto Mãe Crioula

O termo “narcogarimpo” teve sua origem nas comunicações da Polícia Federal em 2021, durante a Operação Narcos Gold.[1] Entretanto, a conexão entre narcotráfico e garimpo não chega a ser um fenômeno inédito. Já em 1990, um relatório do Serviço Nacional de Informação (SNI) indicou que as frentes de garimpagem na Terra Indígena Yanomami poderiam estar sendo utilizadas pelo narcotráfico: “Admite-se a possibilidade de o ouro ali produzido servir para lavar rendimentos do narcotráfico, dadas as facilidades para cruzar a fronteira”.[2]

Contudo, a chegada de facções criminosas com origem no Rio de Janeiro e São Paulo – Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) – à Amazônia Legal na última década, somada ao envolvimento com as facções locais, trouxe novos contornos à aproximação entre as atividades de tráfico de drogas e exploração de ouro. O narcotráfico já faz uso da bacia amazônica como um espaço privilegiado para produção, consumo e distribuição de substâncias ilícitas. Nesse processo, uma primeira fase de aproximação é o próprio monopólio da venda dos entorpecentes para os garimpeiros utilizarem, também como forma de aguentar as extensas jornadas de trabalho. Como disse um policial: “existem facções criminosas na região de garimpo, vendendo droga na região como acontece nas cidades” (policial civil).

Uma segunda possibilidade de relação já estabelecida em alguns locais se dá a partir do compartilhamento de estruturas construídas nas diversas frentes de exploração garimpeiras na Amazônia, tais como pistas de pouso e pontos logísticos, utilizadas para transporte de grandes quantidades de drogas. São estruturas que vêm se tornando nexos entre essas redes criminosas. Um exemplo clássico são aviões utilizados pelas facções criminosas para transporte das substâncias que param para reabastecimento em pontos de apoio do garimpo (pistas clandestinas).

Finalmente, uma terceira possibilidade de interesse do narcotráfico pelo garimpo se explica pela sua rentabilidade. Uma vez que o ouro é a “moeda oficial” das transações garimpeiras, cujo valor é especulado em relação à moeda nacional, a oportunidade de negócios mais lucrativos foi percebida pelas facções. A frágil cadeia de controle do ouro permite utilizar o minério para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, além da possibilidade de aplicar recursos ilícitos nas atividades de garimpo, diversificando os investimentos.

Percebendo essas vantagens, em locais como a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, faccionados que se vincularam ao PCC principalmente durante o cumprimento de pena em presídios de Roraima, quando em liberdade, entram para as áreas de mata fechada onde os garimpos estão instalados para se esconder do controle policial. Nesses locais, oferecem segurança armada aos garimpeiros e, assim, começam a estabelecer novas frentes de atuação. Pouco a pouco, foram aprofundando a presença nos garimpos, inclusive com notícias de que estariam atuando também na atividade fim, ou seja, na própria extração do minério.

Nesse cenário de desassistência, precariedade e avanço da criminalidade nas regiões de garimpo da Amazônia Legal, as violências das mais diversas formas se aprofundam ainda mais na medida em que o Estado está muito pouco presente. A sensação geral para a população que habita os garimpos ou as regiões próximas é de que o Estado, quando chega, “fiscaliza e vai embora”. Não há uma ocupação efetiva por parte das forças de segurança ou por meio da implementação de políticas públicas perenes, o que deixa o caminho aberto para a entrada e expansão de atores do crime organizado que até pouco tempo possuíam atuação restrita aos grandes centros urbanos do país.

*O texto original foi publicado em Cartografias da Violência na Amazônia e pode ser lido na íntegra neste link:<https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/sites/2/2023/11/cartografias-violencia-amazonia-ed2.pdf>.
[1] Em novembro de 2021, a Polícia Federal deflagrou a Operação Narcos Gold com o objetivo principal de combater a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas e desarticular um grupo criminoso que atuava na região Oeste do Pará há pelo menos três anos. O chefe do grupo criminoso já havia sido preso no Maranhão, com indícios de envolvimento com o PCC, e por liderar uma quadrilha que envolvia policiais. O grupo criminoso liderado por ele atuava em nível interestadual e internacional, apresentando uma estrutura estável e sofisticada, além de possuir grande quantidade de armamentos e recursos. Suas atividades incluíam assaltos a agências financeiras e transportadoras de valores em diversas unidades da federação, além do comércio e tráfico internacional de drogas, mantendo conexões com outras organizações criminosas. A investigação apontou que o transporte das drogas era realizado por meio de aviões que partiam de outros estados em direção ao oeste do Pará, onde as drogas eram distribuídas para outras Unidades da Federação. Além disso, foi constatado que o grupo utilizava garimpos de ouro como base para pousos e decolagens no transporte de drogas, além de utilizar esses garimpos como fachada para a lavagem de dinheiro.
[2] O documento, de 21/09/1990, está disponível digitalmente pelo Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) com o código de referência “BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90074565”.

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