Narcogarimpo na Amazônia
A frágil cadeia de controle do ouro permite utilizar o minério para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, além da possibilidade de aplicar recursos ilícitos nas atividades de garimpo, diversificando os investimentos
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Instituto Mãe Crioula
O termo “narcogarimpo” teve sua origem nas comunicações da Polícia Federal em 2021, durante a Operação Narcos Gold.[1] Entretanto, a conexão entre narcotráfico e garimpo não chega a ser um fenômeno inédito. Já em 1990, um relatório do Serviço Nacional de Informação (SNI) indicou que as frentes de garimpagem na Terra Indígena Yanomami poderiam estar sendo utilizadas pelo narcotráfico: “Admite-se a possibilidade de o ouro ali produzido servir para lavar rendimentos do narcotráfico, dadas as facilidades para cruzar a fronteira”.[2]
Contudo, a chegada de facções criminosas com origem no Rio de Janeiro e São Paulo – Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) – à Amazônia Legal na última década, somada ao envolvimento com as facções locais, trouxe novos contornos à aproximação entre as atividades de tráfico de drogas e exploração de ouro. O narcotráfico já faz uso da bacia amazônica como um espaço privilegiado para produção, consumo e distribuição de substâncias ilícitas. Nesse processo, uma primeira fase de aproximação é o próprio monopólio da venda dos entorpecentes para os garimpeiros utilizarem, também como forma de aguentar as extensas jornadas de trabalho. Como disse um policial: “existem facções criminosas na região de garimpo, vendendo droga na região como acontece nas cidades” (policial civil).
Uma segunda possibilidade de relação já estabelecida em alguns locais se dá a partir do compartilhamento de estruturas construídas nas diversas frentes de exploração garimpeiras na Amazônia, tais como pistas de pouso e pontos logísticos, utilizadas para transporte de grandes quantidades de drogas. São estruturas que vêm se tornando nexos entre essas redes criminosas. Um exemplo clássico são aviões utilizados pelas facções criminosas para transporte das substâncias que param para reabastecimento em pontos de apoio do garimpo (pistas clandestinas).
Finalmente, uma terceira possibilidade de interesse do narcotráfico pelo garimpo se explica pela sua rentabilidade. Uma vez que o ouro é a “moeda oficial” das transações garimpeiras, cujo valor é especulado em relação à moeda nacional, a oportunidade de negócios mais lucrativos foi percebida pelas facções. A frágil cadeia de controle do ouro permite utilizar o minério para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, além da possibilidade de aplicar recursos ilícitos nas atividades de garimpo, diversificando os investimentos.
Percebendo essas vantagens, em locais como a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, faccionados que se vincularam ao PCC principalmente durante o cumprimento de pena em presídios de Roraima, quando em liberdade, entram para as áreas de mata fechada onde os garimpos estão instalados para se esconder do controle policial. Nesses locais, oferecem segurança armada aos garimpeiros e, assim, começam a estabelecer novas frentes de atuação. Pouco a pouco, foram aprofundando a presença nos garimpos, inclusive com notícias de que estariam atuando também na atividade fim, ou seja, na própria extração do minério.
Nesse cenário de desassistência, precariedade e avanço da criminalidade nas regiões de garimpo da Amazônia Legal, as violências das mais diversas formas se aprofundam ainda mais na medida em que o Estado está muito pouco presente. A sensação geral para a população que habita os garimpos ou as regiões próximas é de que o Estado, quando chega, “fiscaliza e vai embora”. Não há uma ocupação efetiva por parte das forças de segurança ou por meio da implementação de políticas públicas perenes, o que deixa o caminho aberto para a entrada e expansão de atores do crime organizado que até pouco tempo possuíam atuação restrita aos grandes centros urbanos do país.