Múltiplas Vozes 13/12/2023

Monitorando o aumento da violência na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro

O número de operações policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro aumentou, mas foram, em média, menos letais, contribuindo para uma redução da letalidade policial, sem alavancar um aumento da criminalidade. Essa constatação, porém, não se aplica à Zona Oeste da Cidade, que atualmente se destaca como o palco de conflitos entre grupos armados

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Daniel Veloso Hirata

Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos - GENI - Universidade Federal Fluminense - UFF

Carolina Christoph Grillo

Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos - GENI - Universidade Federal Fluminense - UFF

Renato Coelho Dirk

Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos - GENI - Universidade Federal Fluminense - UFF

No dia 23 de outubro deste ano, membros de uma das maiores milícias do Rio de Janeiro atearam fogo em um trem e 35 ônibus, além de veículos de passeio, ferindo três pessoas e prejudicando a circulação de centenas de milhares. Acredita-se que esses ataques tenham sido uma retaliação a uma operação policial que resultou na morte de um miliciano, sobrinho do chefe da milícia que atua nos bairros de Campo Grande, Santa Cruz, Paciência e adjacências. Tamanha demonstração de força por parte de um grupo armado convida-nos a prestar maior atenção ao que se passa na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, região que vem despontando como palco de conflitos armados também em outros bairros ou localidades, como a Gardênia Azul, Rio das Pedras, Muzema, Campinho e Praça Seca.

Como será visto, de maneira geral, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), houve uma discreta melhora nos indicadores de segurança pública, acompanhada, entretanto, por uma piora bastante significativa na região da Zona Oeste da Capital, onde se observou uma concentração maior da atividade policial e de seus efeitos letais. Como será argumentado, embora tenha ocorrido uma significativa redução das Mortes por Intervenção de Agentes do Estado (MIAE) na RMRJ, na Zona Oeste houve aumento, e é justamente onde esse tipo de morte aumenta que observamos também um aumento de homicídios. Mais uma vez, os dados indicam que a ação policial letal contribui para acirrar os conflitos violentos em vez de mitigá-los.

O presente texto baseia-se nos dados sobre as operações policiais realizadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, coletados e organizados pelo próprio Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), e nos dados oficiais produzidos pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ). A base de dados do GENI-UFF utiliza como fonte de informação 30 veículos de imprensa, incluindo jornais e sites de notícias, a partir dos quais coletamos dados sobre as operações policiais realizadas. São reunidas na base informações sobre a quantidade de operações realizadas, sua data, local, as instituições e unidades que as realizam, sua motivação e seus impactos e resultados, incluindo o número de mortos e feridos, prisões e apreensões.

A segurança pública na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

No período de janeiro a outubro deste ano, observou-se um aumento de 52,1% das operações policiais registradas na base do GENI-UFF em comparação com o mesmo período do ano passado, acompanhado de um aumento de 53% do número de prisões durante operações e de 41,9% do número de apreensões. Como pode ser observado no gráfico abaixo, foram registradas 1.533 operações este ano, frequência que fica abaixo apenas de 2018, ano da intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, e de 2017.

Gráfico 1: Operações policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (janeiro a outubro de 2007 a 2023)

Fonte: GENI-UFF

No entanto, esse aumento das operações não foi acompanhado por um aumento do número de mortes em operações, que apresentou uma ligeira queda de 5,3%: foram 302 mortes em operações entre janeiro e outubro de 2023 e 319 mortes no mesmo período do ano anterior. Observa-se, portanto, que as operações policiais têm sido, em média, menos letais do que no ano passado, o que se torna bastante evidente quando constatamos que houve queda no número de chacinas policiais (operações com três ou mais mortos) e de mortos em chacinas policiais. Como pode ser visto nos gráficos abaixo, além da significativa diminuição das ocorrências de chacinas policiais, o número de mortos em chacinas caiu 39,9% em relação ao mesmo período do ano passado e diminuiu 65% em relação ao ano de 2019, que apresentou o maior número de mortos em chacinas policiais na série.

Gráfico 2: Chacinas policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (janeiro a outubro de 2007 a 2023)

Fonte: GENI-UFF

Gráfico 3: Mortos em chacinas policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (janeiro a outubro de 2007 a 2023)

Fonte: GENI-UFF

Os dados do GENI-UFF apontam, portanto, para uma tendência de contenção da violência policial na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que aparece de maneira ainda mais evidente quando considerados os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ). Entre janeiro e outubro de 2023, houve uma queda de 32,8% do número de Mortes por Intervenção de Agente do Estado na Região Metropolitana, em relação ao mesmo período de 2022. Essa queda na letalidade policial foi acompanhada de uma ligeira diminuição nos homicídios dolosos (-6,9%) e na letalidade violenta em geral (-7,6%), além de uma redução mais significativa (-14,8%) da incidência de roubos de rua, roubos de veículo e roubos de carga somados. Há alguns anos, o GENI-UFF vem insistindo que a contenção da violência policial não desencadeia um aumento da criminalidade, mas sim o contrário, a sua diminuição, argumento que se reforça mais uma vez diante dos dados referentes ao ano corrente. A associação entre a ação policial letal e o aumento da violência resta ainda mais evidente ao analisar os dados referentes à Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, que tem se destacado como o palco dos mais severos conflitos entre grupos armados na atualidade.

A Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro

Embora um número mais expressivo de operações policiais realizadas tenha sido observado em toda a RMRJ e na Capital, esse aumento foi significativamente maior na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, onde entre janeiro e outubro de 2023 houve 166,7% operações a mais do que no mesmo período do ano passado, como pode ser visto na tabela abaixo (tabela 1). Diferentemente do resto da RMRJ, onde esse aumento não resultou em mais mortos em operações, e da Capital, onde houve uma ligeira alta de 10%, na Zona Oeste foi possível observar um aumento de 188,5% do número de mortos em operações. O número de chacinas policiais na Zona Oeste subiu de 1 para 8, e de mortos em chacinas policiais, de 3 para 28. Em 2022, 9,1% do total de chacinas policiais e 3,7% das mortes em chacinas policiais ocorridas na Capital foram na Zona Oeste; ao passo que, em 2023, 72,7% das chacinas e 59,6% das mortes em chacinas ocorridas na Capital ocorreram na Zona Oeste. Nota-se, portanto, que a Zona Oeste se tornou o grande foco da ação policial letal.

Tabela 1: Operações, mortos em operações, chacinas policiais e mortos em chacinas policiais na Capital e Zona Oeste (janeiro a outubro de 2022 e 2023, números absolutos, diferença absoluta e diferença percentual)

Fonte: GENI-UFF

O aumento da atividade policial na Zona Oeste e, em particular, da ação policial letal pode ser observado também com base nos dados do Instituto de Segurança Pública que mostram 97,5% de aumento do número de Mortes por Intervenção de Agentes do Estado na região, contrastando com a redução observada na RMRJ como um todo. Como pode ser visto na tabela abaixo (tabela 2), o aumento da letalidade policial foi acompanhado pelo aumento de 70,8% dos homicídios na Zona Oeste, impactando severamente a letalidade violenta na região que apresentou aumento de 77,6%. Assim, a Zona Oeste destoa com relação ao restante da RMRJ e mesmo da capital, apresentando uma significativa piora nos indicadores de violência letal.

Tabela 2: Homicídios e MIAE na Capital e Zona Oeste (janeiro a outubro de 2022 e 2023, números absolutos, diferença absoluta e diferença percentual)

Fonte: ISP-RJ

É possível, portanto, observar que é justamente na região onde houve o maior aumento das operações policiais e, em particular, uma concentração das ações policiais letais e chacinas, que encontramos também uma concentração maior de homicídios. Mais uma vez, os dados indicam que a ação letal da polícia parece contribuir para acirrar os conflitos armados em vez de contribuir para a sua diminuição.

Considerações finais

Há alguns anos os pesquisadores do GENI-UFF vêm demonstrando por meio de dados que as operações policiais e, especialmente, as ações letais da polícia, em vez de controlar a criminalidade, contribuem para o seu aumento. No ano de 2023, nossos dados apontam que, apesar do aumento do número de operações policiais na RMRJ, essas operações foram, em média, menos letais, contribuindo para uma redução da letalidade policial, sem alavancar um aumento da criminalidade. No entanto, essa constatação não se aplica à Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, que atualmente se destaca como o palco de conflitos entre grupos armados. É justamente na região onde a violência policial aumentou que os demais indicadores de criminalidade aumentaram também.

Uma das hipóteses para a compreensão dessa associação entre violência policial é de que o uso da força estatal pode estar sendo utilizado por agentes policiais corruptos e/ou envolvidos com o crime organizado para a obtenção de vantagens privadas. A ausência de controles democráticos sobre a atividade policial possibilita, por exemplo, que operações policiais sejam utilizadas para enfraquecer grupos específicos visando a facilitar a expansão de outros, contribuindo assim para agravar o problema da violência letal. Faz-se, portanto, urgente que o Estado do Rio de Janeiro implemente medidas efetivas visando à redução da letalidade policial e maior controle externo sobre as ações policiais.

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