Múltiplas Vozes 01/02/2023

Inteligência Estratégica como Política Pública: propostas II

Nesta série, dividida em dois artigos, sintetizamos algumas propostas elaboradas em dezembro de 2022, voltadas para o fortalecimento da área de inteligência como uma política pública no âmbito federal, estadual e municipal

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Marco Cepik

Professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

Christiano Ambros

Doutor em Ciência Política (PPGPOL) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Este artigo dá continuidade à proposição de diretrizes para o fortalecimento da inteligência como política pública no Brasil. No artigo anterior foram feitas três recomendações, respectivamente, sobre o estabelecimento de mecanismos de monitoramento e avaliação da Política Nacional e da Estratégia de Inteligência (PNI e ENINT), sobre o estabelecimento de critérios mais rigorosos para o pertencimento ao Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), e sobre a necessidade de um marco legal regulamentando operações de inteligência.

A quarta recomendação é para que sejam tomadas medidas práticas e simbólicas para fortalecer o controle externo sobre as atividades de inteligência. Esta ação demanda colaboração entre os poderes da República e os entes da Federação. A inoperância e falta de estrutura da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) é notória, mas a CCAI é vital, principalmente em conjunto com outros mecanismos de controle nos poderes Legislativo (TCU), Executivo (CGU), Judiciário (CNJ) e Ministério Público (CNMP e MPM). Os sistemas de inteligência (SISBIN, SISP e SINDE) se expandiram bastante nos últimos 20 anos, mas os mecanismos de controle externo permaneceram estagnados. Um controle externo mais efetivo e proativo contribuirá para melhorar a legitimidade, a eficiência e a harmonia entre os órgãos de inteligência, entre as áreas de inteligência e os órgãos aos quais elas servem, bem como entre o Estado e a sociedade. Mas o controle externo também é do interesse direto dos próprios setores e órgãos de inteligência federais e estaduais. Na medida em que fiscalizam a conformidade legal e as contas públicas e cobram qualidade e integridade nas análises realizadas pela inteligência, as autoridades responsáveis pelo controle externo também entendem melhor as reais necessidades de recursos orçamentários e de pessoal do setor.

Como consta no título do artigo, a quinta diretriz visa a fortalecer a Inteligência Estratégica (estimativas, cenários e análises de risco) no Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), no Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP) e no Sistema de Inteligência de Defesa (SINDE). No caso da ABIN, o fortalecimento da inteligência estratégica é compatível e necessariamente sinérgico com o aumento das capacidades de contrainteligência. Os conteúdos prioritários para o SISBIN como um todo são estabelecidos pela PNI e ENINT, documentos que precisam ser atualizados em 2023, em diálogo com a administração pública, os agentes políticos, os meios de comunicação, a comunidade acadêmica e a sociedade civil. Os desafios contemporâneos de segurança e desenvolvimento, tanto no âmbito internacional quanto nacional, devem balizar a elaboração dos documentos.

Destacam-se, por exemplo, as ameaças híbridas, cinéticas e cibernéticas contra o Brasil, sejam elas de origem estatal, criminosa ou terrorista. Bem como a necessidade de enfrentar as ameaças nacionais e transnacionais ao Estado Democrático de Direito. Também por isto é preciso valorizar os estados na governança do Subsistema Inteligência Segurança Pública (SISP). E definir protocolos para a atuação dos órgãos de inteligência federais e estaduais em temas com tipificação penal mais recente e/ou ameaças emergentes (crime organizado, crimes contra a vida, espionagem e crimes contra o Estado Democrático de Direito), sem confundir as funções de inteligência (assessoramento e alerta avançado) e de investigação criminal (Leis 12.850/2013; 13.260/2016; 14.197/2021).

A sexta diretriz proposta envolve aprimorar as políticas, normas e processos de gestão do conhecimento, melhorando disponibilidade, integração, governança e conformidade. Adquirir e/ou desenvolver bases de dados públicos especializados para uso pelos órgãos do SISBIN, SISP e SINDE. Implementar plataforma segura para bases interoperáveis de inteligência, com benefícios mútuos para o cumprimento das missões especializadas dos diferentes órgãos e do controle externo. Uma governança mais robusta e segura da inteligência é o que torna possível cooperar estrategicamente com os serviços congêneres, principalmente, na América do Sul e Latina, considerando as especificidades do SISBIN, SISP e SINDE. Ou seja, equilibrar as necessidades de obtenção de inteligência e as diretrizes defensivas e ofensivas de contrainteligência.

Por último, mas não em último lugar, a sétima recomendação é voltada para o desenvolvimento da profissionalização dos servidores civis e militares na área de inteligência, considerando as especificidades de cada órgão. Realizar concursos e processos seletivos  regulares, incluindo para áreas técnicas específicas. Implementar gestão por competências, trilhas de capacitação e progressão por mérito para rever desenvolvimento de carreira em Y, preparando especialistas e gestores. Definir políticas de remuneração adequadas ao fortalecimento de carreiras públicas em inteligência.

Cada uma das sete recomendações feitas nos dois artigos precisa ser avaliada criticamente e debatida, tanto do ponto de sua viabilidade política, técnica e orçamentária, mas também para que possam ser desdobradas em processos e projetos específicos. A gravidade dos ataques realizados em Brasília no dia 08 de janeiro, bem como a enormidade das transformações internacionais em curso, aumenta a urgência e a importância das reformas na área de inteligência.

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