Profissão Polícia

Emprego generalizado de militares e reducionismos do profissionalismo na segurança pública e na segurança nacional

Os únicos beneficiados com a improvisação de policiais militares e das FFAA, até mesmo na segurança pública enquanto projeto político de intervenção, são os grupos de interesses político-partidários que propuseram a permanência de grupos não qualificados em determinado setor

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Gilvan Gomes da Silva

Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A participação dos militares em cargos civis no Brasil não é recente. Todavia, nos últimos cinco anos tem recebido atenção por diversos fatores, entre eles a partidarização das instituições militares e a eficácia e eficiência do trabalho realizado. No Brasil, militares das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros Militares são constantemente requisitados para atuarem fora das suas atividades cotidianas, tanto individualmente, em cargos comissionados, quanto como participação da instituição militar.

No governo federal, os números demonstram o crescimento. Segundo o estudo Militarização da Administração Pública no Brasil: Projeto de Nação ou Projeto de Poder?, do cientista político William Nozaki, é notório o crescimento da participação em diferentes níveis do governo.

Dos aproximadamente 20 ministérios, dez eram comandados por oficiais das três forças militares em 2020. Segundo o cientista político, há presença dos militares também nas empresas estatais em postos de coordenação, gestão ou direção como, por exemplo, Petrobras, Correios, Porto de Santos, entre outras.

Algumas agências do Estado também seguem essa lógica. O caso da FUNAI tornou-se emblemático pela competência institucional, pelo conhecimento profissional específico exigido do agente que atue no órgão e consequências a curto e longo prazo da (in)eficácia da atuação. Servidores denunciam o desmonte institucional e interferência externa na gestão. Atualmente há metade das coordenações ocupadas por militares das FFAA e Polícias Militares. O currículo dos militares não informa experiência em atuação em política indigenista.

As atuações de miliares das FFAA e das polícias e bombeiros miliares é uma constante e com diferentes motivações: são em contextos de urgências, por improvisações e/ou por motivos políticos/partidários.

Em situações de urgência, nas catástrofes, seja pela natureza ou omissão política, constantemente são empregados militares para intervenções. Nesse caso, a grande quantidade de recursos (logísticos ou de pessoal) e a especialização na formação diante das catástrofes tornam os militares uma opção de intervenção. Nas inundações sazonais em diversas cidades, os militares são constantemente convocados. No Distrito Federal, bombeiros militares são utilizados no “combate” ao mosquito da dengue. Apesar de raro, policiais militares também já foram utilizados em intervenções semelhantes. Na década de 1980 substituíram motoristas no transporte coletivo público em movimento de greve dos rodoviários e na primeira década de 2000 combateram a dengue.

Os militares também são utilizados de forma improvisada por solicitação de outras instituições. Nesse caso, são convocados por serem militares e por não haver uma definição objetiva de quais são as atuações institucionais. A Justiça Federal, por exemplo, determinou que a PMDF fiscalizasse o cumprimento de medidas cautelares impostas a acusados em ações penais, atribuição original das Polícias Judiciárias Federal e Estadual. A Justiça Federal acatou o argumento de que as atividades de investigação seriam prejudicadas, determinando que a PMDF executasse o monitoramento. A PMDF e o CBMDF também cederam militares para serviços internos em estabelecimentos penais, atividades de responsabilidade de outras agências.

Todavia, é nas intervenções por motivações políticas partidárias em áreas diferentes do campo da segurança pública que há maior questionamentos, sejam individuais ou por participação em políticas públicas “improvisadas” e sem fundamentação científica. Os projetos de escolas militarizadas com policiais e bombeiros militares guardam certas similaridades com a questão da Funai.

Não há fonte de dados para informar quantos policiais e bombeiros militares estão disponíveis para o projeto. Os dados indicam que no Distrito Federal há 15 escolas com gestão compartilhada. Inicialmente o projeto indicava 20 militares por escola, somando um efetivo maior que o disponível para policiar cidades no DF. Segundo a Portaria Conjunta 01 de 2019, a seleção dos militares da segurança pública prioriza aqueles que têm restrição médica ao serviço operacional e militares aposentados que solicitaram retorno temporário. Nota-se que não há exigência de formação na área da educação infantil, graduação com licenciatura ou qualquer formação complementar na área da educação para a atividade de manter a disciplina na área interna da escola, atividade típica de profissional da educação. As atividades vão além das descritas no projeto inicial, segundo a Secretaria da Educação. “Eles tomam conta do pátio, da entrada e da saída, fazem um trabalho de assistência social e também de civismo, ensinando valores”. As novas intervenções preveem atividades musicais e esportivas. Assim, soma-se o improviso às atividades de assistência social, musicalização e de profissional de educação física, ambas com formação específica e com conselhos profissionais instituídos.

As consequências são nítidas: perda da eficácia da agência à qual o profissional está prestando o serviço e, por consequência, sofre a sociedade pela desqualificação profissional em um cargo com especificidade técnica. Há consequências para as Polícias Militares que cedem o profissional, por terem investido na formação profissional e pelo acúmulo de conhecimento produzido cotidianamente e que não terá em seu corpo profissional para exercer o cargo de origem, e ainda arcará com os custos desse profissional. As Polícias Militares perdem ainda capital social, pois estão representadas em outra agência de forma improvisada.

Portanto, os únicos beneficiados com a improvisação de policiais militares e das FFAA, até mesmo na segurança pública enquanto projeto político de intervenção, são os grupos de interesses político-partidários que propuseram a permanência de grupos não qualificados em determinado setor. Nesse sentido, a generalidade da atividade militar enquanto “soldado reserva” para qualquer atividade impede a especialização, produção de conhecimento técnico e a demarcação e o reconhecimento do objeto da profissão Policial Militar.

 

 

 

 

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