Cleber Lopes
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina e Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS/UEL)
Danilo Azolini
Capitão da PMPR e doutorando do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina
A última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que o número de desaparecimentos registrados no Brasil cresceu 4,9% em 2024. No ano passado foram registrados 81.873 casos notificados às Polícias Civis, média de quatro registros de desaparecimentos a cada hora. Essa estatística vem crescendo desde 2020. Ao analisar esses dados, Bueno, Schroeder e Sobral [1] relacionaram o seu aumento às execuções e desaparecimentos forçados provocados por organizações criminosas. Segundo as autoras, o crescimento do número de desaparecidos ocorre principalmente nos estados das regiões mais violentas do país (Norte e Nordeste), que vêm se notabilizando pelo conflito entre facções criminosas. Em algumas dessas unidades da Federação houve também redução das mortes violentas intencionais, o que levantaria a suspeita de que essa redução poderia ser parcialmente explicada pelo aumento dos casos de desaparecidos. Em outros termos, o número de pessoas executadas por facções criminosas que adotam a prática de ocultação de cadáveres estaria aumentando, o que esvaziaria as estatísticas de homicídios, inflando as de desaparecidos.
É necessário realizar análises mais detalhadas para que se saiba se esse fenômeno está de fato em curso. Precisamos, por exemplo, estudar o perfil dos desaparecidos e checar se o crescimento ocorre justamente entre aqueles que possuem o mesmo perfil das vítimas preferenciais de homicídios – homens, jovens e negros. Os dados de 2019 a 2021 do Mapa dos Desaparecidos no Brasil, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram uma convergência geral no perfil dos desaparecidos e das vítimas de homicídios. A maioria dos desaparecidos é formada por homens (62,8%), adolescentes e jovens (53,5%) e negros (54,3%), que somem nos finais de semana [2].
O fato é que o número de desaparecidos continua a crescer, assim como a percepção das pessoas acerca da existência de cemitérios clandestinos em suas cidades. Dados do Sinesp para o primeiro semestre de 2025 indicam que houve, na comparação com o mesmo período de 2024, aumento de 2,3% nos registros de desaparecidos. Paralelamente, a segunda edição da pesquisa FBSP/Datafolha Vitimização e Percepção sobre Violência e Segurança Pública, revela crescimento na percepção de existência de “cemitérios clandestinos”. Em 2024, 8% da população adulta brasileira respondeu “sim” à pergunta “Há na sua cidade áreas utilizadas como cemitérios clandestinos”? [3]. Em 2025 esse percentual subiu para 12%. [4]
A complexidade do crime organizado no Brasil, que demonstra um nível crescente de aperfeiçoamento organizacional, pode realmente ser um fator crucial para entender este cenário. Organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, com forte atuação em diversos estados brasileiros e comprovadas conexões transnacionais, estabelecem mecanismos cada vez mais sofisticados para dificultar a ação do aparato policial. O aperfeiçoamento das táticas de execução com ocultação de cadáver pode ser interpretado como parte deste processo. Para as organizações criminosas, ocultar um corpo e gerar uma notificação de desaparecido – ao invés de homicídio – teria a vantagem de afastar o foco das polícias investigativas, uma vez que casos de desaparecimento não mobilizam os mesmos recursos e protocolos de uma investigação de homicídio. A pessoa permanece com o status de “possivelmente viva”, enquanto, na realidade, o homicídio e a ocultação do corpo já foram consumados, garantindo que o crime permaneça fora do radar das autoridades. Assim, organizações criminosas podem estar operando dispositivos bem arquitetados para eliminar rivais ou desafetos e, simultaneamente, garantir que o crime não gere uma resposta imediata do sistema de justiça criminal. Os tribunais do crime, conhecidos das autoridades policiais e amplamente noticiados, são exemplos deste tipo de dispositivo.
Pleitear leis que criem tipificações apropriadas para os casos de desaparecimento, como pretende o PL 6.240/2013, é fundamental. Porém, uma medida mais imediata e necessária é que os gestores públicos e as forças de segurança investigativas ampliem seus protocolos de investigações sobre casos de desaparecimentos que possam ter ligação com as organizações criminosas, passando a considerar também como casos de possíveis homicídios com ocultação de cadáver. Incluir esses casos como linha investigativa é tarefa relevante na defesa da vida, responsabilização de culpados e contenção do crime organizado.

