Perícia em evidência 19/03/2025

Crimes do serial killer de Maceió escancaram a fragilidade de nosso sistema de justiça

Nossa Justiça tem cor, raça e condição social

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal

Na 257ª edição do Fonte Segura, abordamos o caso do assassino em série de Maceió. Até aquela oportunidade, em meados de novembro de 2024, a polícia civil do estado de Alagoas reconhecia que Albino Santos de Lima, de 42 anos, preso desde setembro daquele ano, fora acusado de matar dez pessoas naquela cidade. Suas vítimas tinham idades entre 14 e 25 anos; sete eram mulheres, uma delas trans. O primeiro homicídio teria ocorrido em outubro de 2023. No mês de dezembro de 2023, ele teria matado outras quatro pessoas; entre os meses de janeiro e agosto de 2024, teria cometido as outras cinco mortes restantes. Dos dez homicídios até aqui atribuídos a ele, oito já foram admitidos em depoimento pelo acusado. Os dois homicídios cuja autoria ele não reconhece apresentam provas irrefutáveis expressas em laudos balísticos (a arma empregada era a mesma).

Naquele mesmo artigo chamávamos a atenção para o fato de que o número total de crimes cometidos por esse assassino em série ainda poderia aumentar, já que outros oito assassinatos investigados, até então sem autoria definida, foram cometidos entre 2019 e 2020 em uma região da cidade onde Albino também chegou a residir durante o mesmo período.

As suspeitas ganharam ainda mais impulso quando a perícia encontrou no calendário do celular dele marcações nas datas daquelas mortes.

Agora, novas revelações indicam que, entre as oito mortes, cinco resultaram em denúncias do MP-AL (Ministério Público de Alagoas) contra três irmãos negros moradores da periferia de Maceió que foram presos por engano. Os três se chamam Antônio, o que fez com que na época o caso ganhasse o nome de “caso dos irmãos Antônio”.

Os assassinatos ocorreram no bairro de Chã da Jaqueira, entre fevereiro e dezembro de 2019. Os acusados foram denunciados e ficaram presos por três anos, apontados injustamente pelos cinco homicídios.

A detenção em prisão preventiva ocorreu em 2022; só no início de fevereiro deste ano eles foram soltos, pois a polícia descobriu que eles não tinham relação com os crimes.

A defesa dos “irmãos Antônio” conseguiu a absolvição deles em seis casos (três de tentativa e três de homicídio) após o Tribunal do Júri apontar falta de provas. Entretanto, em dois outros casos a Justiça enviou os irmãos para júri popular. Um dos casos foi o de Genilda Maria da Conceição, de 75 anos, assassinada em frente ao neto de dez anos. O crime iria a júri popular no último dia 6 de março, mas foi excluído de pauta após a confissão do assassino em série.

As novas vítimas que Albino enfim confessou ter matado são: Genilda Maria da Conceição, Alysson Santos Silva, Marcelo Lopes dos Santos, José Cícero Bernardo da Silva, Maria Vânia da Silva Nunes, João Santos Mateus, Antônio de Oliveira Melo Neto e Maria Claudiana da Silva. Na contagem dos homicídios já confirmados atribuídos ao assassino em série, chegamos a 18 mortes.

Sobre as prisões injustas dos três irmãos, é importante destacar que elas se deram na modalidade de prisão preventiva, prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal, que determina os motivos que justificam seu uso, e que são:

  • a garantia da ordem pública (termo de ampla margem de interpretação);
  • a conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei (ou seja, para evitar que o réu atrapalhe as investigações, ou fuja do país para não ser preso);
  • e quando houver prova e indício suficiente da autoria do crime.

A prisão preventiva não possui prazo determinado para acabar, ao contrário da prisão temporária, e pode ocorrer em qualquer fase do processo. Mas, para que seja legal, somente deve ser feita quando já existem provas contra o investigado. No caso dos três irmãos, as supostas provas seriam um retrato falado do suspeito do crime e um reconhecimento fotográfico realizado por videochamada feito pela única testemunha ocular do crime, o neto de dez anos da vítima.

É preciso entendermos que nenhuma das duas provas é considerada uma prova técnica e muito menos irrefutável, mas isso bastou ao nosso sistema de Justiça para fazer com que os três jovens ficassem presos por três anos. Não fosse a reviravolta que as novas provas periciais trouxeram, muito provavelmente esse mesmo sistema acabaria por levá-los a uma condenação com penas elevadas decididas durante o júri, posteriormente cancelado.

É bom ficarmos com as palavras do advogado dos irmãos libertados:

Eles foram presos porque eram pobres, negros, periféricos e tidos como supostos traficantes onde ocorreram os crimes. Na época, a polícia disse que eles teriam praticado todos os homicídios por conta do tráfico. Mas isso nunca se comprovou. Todas as provas foram baseadas em denúncias anônimas, testemunhas de “ouvir dizer“.

Esse e muitos outros casos escancaram a fragilidade de nosso sistema de Justiça, que acaba não empregando provas robustas na busca do esclarecimento da verdade dos fatos e que a todo momento reafirma o que todos já sabemos: nossa Justiça tem cor, raça e condição social.

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