Múltiplas Vozes 31/07/2025

Controle social e segurança privada. Como a rejeição a grupos subalternos molda o apoio ao setor na América Latina

O apoio à segurança privada em sociedades desiguais como as brasileiras e as latino-americanas não pode ser entendido apenas como uma resposta ao medo do crime ou à ineficiência do Estado - precisa ser considerado também como expressão de valores sociais preconceituosos e excludentes

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Cleber Lopes

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS)

Caio Cardoso de Moraes

Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre a Governança da Segurança (LEGS)

No início do mês, o programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu mais um caso de brutalidade envolvendo seguranças particulares. Desta vez o caso foi protagonizado por seguranças de um supermercado da rede Muffato, no Paraná, que perseguiram e mataram um jovem de 22 anos, suspeito de tentar furtar uma barra de chocolate. Os seguranças contaram com a colaboração de um funcionário do mercado e de um motociclista que transitava pela rua no momento da perseguição. O caso se soma a vários outros episódios conhecidos cujas vítimas dos seguranças foram pessoas pertencentes a grupos sociais subalternos.

Existe uma relação entre o sentimento de rejeição a grupos subalternos e o apoio à segurança privada no controle do crime? Para responder a essa questão, analisamos as percepções de mais de 14 mil pessoas em 9 países da América Latina em artigo intitulado Support for Private Security in Latin America: An Explanation Based on the Social Threat Theory, recentemente publicado no The British Journal of Criminology. Nossa hipótese era de que haveria uma associação entre o animus contra grupos subalternos e o apoio à segurança privada no controle do crime. A “teoria da ameaça social”, originalmente desenvolvida para entender o apoio popular ao endurecimento penal e ao uso da força policial nos Estados Unidos, fundamenta essa hipótese. Essa teoria sustenta que quanto maior for a rejeição de uma pessoa a certos grupos sociais, como negros, indígenas, imigrantes ou pobres, maior será a probabilidade de ela apoiar medidas de controle sobre esses grupos.

Os resultados da pesquisa confirmam a hipótese central: quanto maior o nível de rejeição a grupos sociais minoritários, maior a chance de apoio à contratação de segurança privada. De modo geral, pessoas que expressam sentimentos de preconceito contra qualquer grupo minoritário têm cerca de 50% mais chances de apoiar a segurança privada nos países analisados. Quando olhamos para a rejeição de grupos sociais específicos, os resultados também são reveladores. A rejeição a pobres e a indígenas aparece como fator especialmente determinante: entre os entrevistados que disseram não querer pobres ou indígenas como vizinhos, o apoio à segurança privada foi 39% maior do que entre aqueles que não expressaram esse tipo de rejeição. A rejeição a negros também aparece como fator relevante, embora com menor força estatística.

Atualmente, estamos analisando dados específicos para o Brasil que apontam algumas particularidades: por aqui o apoio ao controle social via mercado aparece fortemente relacionado à rejeição a pessoas negras e à identificação com valores políticos conservadores. Ou seja, pessoas que expressam preconceito contra pessoas negras e pessoas que se identificam com valores políticos mais conservadores tendem a apoiar com mais intensidade a contratação de segurança privada no Brasil. Além do preconceito racial e de classe, esses resultados preliminares para o caso brasileiro também suscitam mais uma dimensão do apoio a segurança privada: o conservadorismo político. Em um contexto de ascensão de lideranças de extrema-direita e de narrativas que propagam estigmas contra minorias, naturalizam a exclusão e normalizam a desigualdade, esses discursos podem reforçar a ideia de que certos grupos devam ser vigiados e controlados por meio de segurança privada, produzindo o contexto social que autoriza a brutalidade cometida por seguranças contra grupos sociais subalternos.

O apoio à segurança privada em sociedades desiguais como as brasileiras e as latino-americanas não pode ser entendido apenas como uma resposta ao medo do crime ou à ineficiência do Estado. Ele precisa ser entendido também como expressão de valores sociais preconceituosos e excludentes. Trata-se de um fenômeno complexo, que vai além da busca por proteção individual e envolve a reafirmação de hierarquias sociais e o controle de grupos subalternizados. Essa realidade coloca desafios adicionais ao funcionamento das democracias na região, que já enfrentam dificuldades históricas no controle e na responsabilização das forças de segurança pública. É responsabilidade dos governos regular e fiscalizar a segurança privada, garantindo que sua atuação esteja alinhada ao interesse público e não aprofunde desigualdades. O controle sobre as forças públicas e privadas de segurança é fundamental para a garantia dos direitos dos cidadãos e para a qualidade da democracia.

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