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Avaliando o uso das câmeras corporais

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Arthur Trindade M. Costa

Professor de sociologia da Universidade de Brasília e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Uma das boas novidades no campo da segurança pública foi a introdução de câmeras corporais em algumas unidades da Polícia Militar do Estado de São Paulo em 2020. Os resultados da iniciativa são animadores. Verificou-se significativa redução no uso da força policial nas unidades que incorporaram o uso das câmeras.

Segundo a PMESP, os batalhões que adotaram o sistema de câmeras corporais tiveram uma redução de 87% nas ocorrências de confronto. Ainda de acordo com a Polícia Militar de São Paulo, a queda registrada é 10 vezes maior do que nos batalhões que não utilizam esses equipamentos. O levantamento da corporação também informa que, na comparação entre os meses de junho e outubro de 2019, 2020 e 2021, as ocorrências de resistência às abordagens policiais caíram 32,7% nos batalhões que usam as câmeras operacionais portáteis. Nos demais batalhões, a redução no período ficou em 19,2%.

Apesar dos resultados positivos, a iniciativa da PMESP tem sido criticada por candidatos ao governo do Estado. O candidato bolsonarista, Tarcísio de Freitas, declarou ser contrário ao emprego das câmeras, pois supostamente inibiriam a ação dos policiais. O argumento não é novo. Via de regra, toda iniciativa para aumentar o controle e a transparência da atividade policial vem acompanhada de críticas de que a restrição da ação policial beneficiaria os criminosos. Essas críticas, em geral infundadas, desconsideram os benefícios para a comunidade e para a própria atividade policial.

Vale a pena olhar as lições das experiências internacionais. Em 2015, o Departamento de Justiça dos EUA investiu US$ 24 milhões financiando programas de uso de Câmeras Corporais (Body-Worn Câmeras – BWC). O objetivo era reduzir os níveis de brutalidade, em especial a violência letal, e aumentar o controle e a transparência da atividade policial. A ideia era que o uso das câmeras aumentaria os níveis de autoconsciência dos policiais acerca das suas condutas, incentivando o emprego dos procedimentos operacionais. As câmeras também serviriam para barrar o uso desnecessário da força.

A iniciativa do governo dos EUA também previa avaliações sistemáticas dos programas. Assim, foram realizadas várias pesquisas para entender os impactos do programa nas relações entre as polícias e as comunidades. Os resultados das pesquisas foram muito bem inventariadas por Samuel Choi, Nicholas Michalski e Jamie A. Snyder.

A maior parte dos estudos verificou uma redução significativa do uso da força. Notou-se também uma redução no número de queixas e denúncias sobre desvio de conduta por parte dos policiais, bem como uma mudança de atitudes dos cidadãos em relação à polícia.

Entretanto, algumas poucas avaliações apresentaram resultados diferentes. Em alguns Departamentos de Polícia não se verificou redução no uso da força e no número de queixas e denúncias. Também não houve mudança significativa nas atitudes dos cidadãos em relação à polícia. Para os autores, esses resultados discrepantes devem-se às diferenças em fatores psicológicos, tais como as atitudes dos policiais em relação ao uso de câmeras, bem como o nível de confiança e legitimidade que as polícias gozam nas comunidades.

Se o principal objetivo das câmeras corporais é mudar o comportamento dos policiais em relação ao uso da força, não podemos esquecer que as atitudes são importantes preditores dos comportamentos. Tanto nos EUA quanto no Brasil, a incorporação de câmeras corporais tem sido vista com grandes ressalvas por parte dos policiais. A sensação de estar sendo constantemente vigiado tem gerado uma atitude negativa de alguns policiais com relação às câmeras. Os estudos mostram que os resultados não foram bons nas unidades em que predominavam atitudes extremamente negativas em relação ao programa. Em alguns casos, aumentou o número de situações em que a força foi utilizada.

A relação entre polícia e comunidade também impactou os resultados dos programas. Em algumas comunidades onde a relação com as polícias tem um histórico de confronto e falta de confiança, o uso das câmeras alterou pouco o comportamento dos policiais, ao passo que noutros bairros o uso do equipamento serviu para aumentar a legitimidade das polícias, uma vez que o programa foi percebido como um esforço para aumentar o controle e transparência da atividade policial.

Resumindo, os estudos mostraram que o emprego de câmeras corporais teve efeito significativo na redução do uso da força por parte de policiais. Entretanto, essa relação não é direta. Ela depende das atitudes dos policiais em relação ao uso de câmeras e do histórico de relações entre as polícias e as comunidades.

Assim, a implantação do programa de câmeras corporais deve vir acompanhada de iniciativas que visem transmitir confiança aos policiais de que o equipamento poderá produzir efeitos positivos na sua atividade cotidiana. Por exemplo: os estudos mostraram que, em algumas situações, o uso das câmeras pode reduzir a discricionariedade policial. Isso requer a necessidade de atualização constante dos POP e criação de novos protocolos.

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