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Assassinatos de políticos na Baixada Fluminense e a nova fronteira político-econômico-criminal no RJ

Ocupação imobiliária, negócios econômicos e votos de Duque de Caxias transformaram a região em terra conflagrada, relacionando os interesses políticos locais com os do governo do estado do Rio e do governo federal

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José Cláudio Souza Alves

Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro "Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense"

A Baixada Fluminense concentra 25% dos homicídios de políticos da Região Sudeste, segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio. Isso guarda uma relação direta – destes quase 4 milhões de pessoas em 13 municípios a oeste da cidade do Rio de Janeiro – com o histórico das relações político-criminais que vão desde Tenório Cavalcanti, com sua inseparável metralhadora, nas décadas entre 1930 e 1960, até a atuação miliciana dos tempos atuais, passando pelo momento estruturante da ditadura empresarial-militar, com a implantação dos grupos de extermínio como parte do aparelho repressor do regime de exceção.

Os assassinatos de três vereadores ocorridos nos últimos sete meses em Duque de Caxias servem como exemplo mais claro da dinâmica da política criminal hoje em movimento na região. Destaca-se o eixo geopolítico no qual as mortes se sucederam. O primeiro, Danilo do Mercado, foi morto em Jardim Primavera, onde atuava politicamente e era acusado de envolvimento com grupos de extermínio, com destaque para a extorsão e negócios com compra e venda de terrenos. Joaquim José Santos Alexandre, o Quinzé, foi o segundo. Era ex-policial e atuava nos bairros Olavo Bilac, Jardim Leal, Periquito, Bananal e Gramacho, região de consolidada atuação de grupos de extermínio e milícias. O último, Sandro do Sindicato, atuava no bairro do Pilar, onde foi morto no dia 13.

O lugar onde exerciam suas atividades políticas guarda relação com a Avenida Leonel Brizola. Esse eixo vem sendo modificado há anos pela atuação de grupos econômicos, políticos e grupos armados a partir de uma disputa sem fim por controle de territórios, ganhos econômicos e votos. A movimentação mais recente que intensificou os conflitos e vem precipitando as mortes está associada à ocupação da área conhecida como Campo do Bomba, dentro da Área de Proteção Ambiental – APA São Bento. Localizado a dez minutos do aeroporto Galeão, da Baía de Guanabara, das rodovias Presidente Dutra, Avenida Brasil, Linha Vermelha, Linha Amarela e Arco Metropolitano e localizado às margens da rodovia Washington Luís, o Campo do Bomba é a joia da coroa da região metropolitana para negócios imobiliários e de logística. O projeto da prefeitura de Duque de Caxias de criar o Centro de Abastecimento do Rio de Janeiro – CEARJ, que iria ocupar 20% dos 3.500 hectares das terras desse espaço e liberar os 80% restantes para empreendimentos imobiliários, se transformou no novo vetor da fronteira da cumulação primitiva político-econômico-criminal da região metropolitana.

A atuação miliciana no Pilar e no São Bento, há décadas, tem na venda ilegal de terrenos o seu carro-chefe. A partir dessa ocupação criminosa de terras da União, transformadas em terras privadas a partir de esquemas ilegais que contam com a participação de cartórios e conivência da prefeitura, os demais mercados criminais milicianos se estabelecem: venda de aterro, água, gatonet, aterros sanitários clandestinos, etc. Ela sinalizou ao capital nacional e internacional as potencialidades desse mercado, de tal forma que agora, a partir das dimensões legais, receberá uma retribuição pelo seu pioneirismo, através da legalização e ampliação dos seus negócios, além, é claro, da ampliação das suas bases eleitorais.

As dimensões legais e ilegais se reforçam, mutuamente. Uma segunda geração, de filhos de milicianos, inicia sua trajetória política, como vereadores, nessa região. Nesse caso, o assassinato do último vereador, Sandro do Sindicato, é o mais emblemático. Nascido e criado no Pilar, em primeiro mandato, com intensa atividade política no bairro, tornou-se uma ameaça ao projeto miliciano e foi eliminado. Todo esse cenário ganha contornos mais intensos com a aproximação das eleições de 2022. O potencial de ocupação imobiliária, negócios econômicos e votos dessa região a transformou em terra conflagrada, relacionando os interesses políticos locais com os interesses políticos que disputam o cenário do governo do estado do Rio e do governo federal.

A conivência do Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA com as ocupações ilegais das terras sob sua responsabilidade e a inoperância do Instituto Estadual do Ambiente – INEA, quanto aos impactos ambientais dessa ocupação ilegal expressam os interesses em escalas mais amplas, que ali interferem. A milícia se torna, portanto, um projeto de desenvolvimento econômico, político e social sem precedente. Não se trata da ação localizada e pontual de grupos armados na espoliação de pobres, moradores de favelas e periferias, mas na estruturação organizada pelo capital e pelos donos do poder a partir de grandes projetos multidimensionais de ganhos.

O fato que a criação do CEARJ e de empreendimentos imobiliários no Campo do Bomba implicarão a impermeabilização do solo pelo asfaltamento e construções acarretando a intensificação das inundações nos vários municípios que fazem parte da bacia hidrográfica dos rios Iguaçu e Sarapuí, pois o Campo do Bomba é o desaguadouro natural das águas da região, não significa nada frente aos ganhos imediatos de milicianos, empresários e políticos irmanados pela modernidade assassina totalitária que encontrou no momento bolsonarista a sua melhor fase.

Em cada região do Brasil, a aliança entre o legal e o ilegal, o estatal e o criminal, em projetos econômicos e político-eleitorais potencializarão violência e morte, atingindo os grupos mais frágeis: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pobres urbanos e qualquer representante político que se contraponha aos seus interesses. O progresso se pavimenta com milhares de árvores derrubadas, milhares de armas compradas, dezenas de milhares de homicídios e assassinos intocáveis e mais do que nunca eleitos. Duque de Caxias é parte do grande laboratório da segurança pública como ambiente de gestação e operacionalização dos detalhes desses projetos, cuja atuação define os rumos político-criminais do necrodesenvolvimentismo brasileiro.

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