Profissão Polícia 19/10/2022

A segurança pública no segundo turno

O momento é de restabelecimento das competências de cada ator da segurança pública e dos militares e de refundar as instituições como ente do Estado e gestoras/operadoras de políticas de segurança pública, de forma que cada agente de segurança se sinta e seja percebido como um garantidor dos direitos humanos

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Gilvan Gomes da Silva

Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade Nacional de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A Segurança Pública ganhou atenção nas disputas partidárias e sua relevância temática tornou-se uma preocupação crescente. Todavia, não houve avanço nos debates em várias questões próprias da temática. A preocupação agora é acerca do processo reflexivo da “politização” dos militares e da segurança pública. O termo reflexivo aqui empregado relaciona-se com o processo de politização partidária das atividades dos profissionais de segurança pública, dentro das instituições, e nas práticas cotidianos laborais no espaço público. Refere-se também à participação político-partidária destes nas instâncias dos processos decisórios no Poder Executivo e no Poder Legislativo.

Cabe salientar que é um processo não oficial, já que o Partido Militar Brasileiro não está devidamente registrado. Todavia, as candidaturas, as nomeações e as políticas públicas conduzidas nos Governos Federal, Estaduais e Municipais fazem ser perceptíveis a capilaridade e o poder político em diversos segmentos da sociedade que, em uma interpretação dos fatos, poderiam levar à conclusão de que estamos diante de um partido de fato.

Devemos ressaltar a complexidade do processo nas instituições da segurança pública por ser um mimetismo e/ou complemento do que já ocorre nas Forças Armadas (FFAA). Mesmo com dispositivos legais que dificultam a associação político-partidária, as interpretações contemporâneas da lei nº 6.880 de 1980, especificamente os artigos 28 e 77 quanto ao uso de distinções hierárquicas e símbolos que fazem referência às instituições possibilitam a percepção de que os indivíduos que se candidatam ou assumem cargos nos diversos espaços representam mais que projetos pessoais ou de classes enquanto trabalhadores, ainda que de forma involuntária, essa representação.

Mesmo com a regulamentação, vários oficiais e praças utilizaram símbolos das FFAA e as patentes e graduações como capital político e social nas eleições e nos pleitos de 2018 e 2022 ficou mais nítido o uso para concorrer a cargos de deputados, senadores, governadores, vice-presidente e presidente da República. O desfile eleitoral de cabos, sargentos, tenentes, capitães, majores, coronéis e generais descortinava que o espaço político estava construído. Diante da “interpretação/permissão”, fica a questão se há a separação entre o que diz o candidato/deputado/senador/vice-presidente/presidente pode ser totalmente dissociada do que é a instituição. As instituições “saíram dos quarteis” enquanto parte do Estado e estão “entrando” em outras instituições ou somente são os militares/cidadãos exercendo seus direitos?

Como apontado anteriormente, a partir de 2019 aumentou o número de militares e profissionais de segurança pública em atividades diferentes da área de atuação, ocupando atividades próprias de outros profissionais e inserindo institucionalmente a presença militar e de segurança pública em outros espaços. Assim, esses militares e profissionais da segurança pública comissionados são percebidos como representantes também de outras instituições?

Mais recentemente, ao ver o militar exercendo sua atividade cotidiana, como de apoio logístico e de segurança que foi realizado no primeiro turno, há somente a possibilidade de perceber um militar ou há a possibilidade de vincular esse militar a um grupo político-partidário?

Quanto aos policiais militares, por haver uma instituição em cada unidade federativa, há legislações diferentes. Algumas instituições proíbem a utilização de signos enquanto outras permitem no pleito eleitoral enquanto candidatos. Isso ficou nítido no plenário da Câmara dos Deputados quando parlamentares utilizavam o fardamento ou o grau hierárquico para exercer o cargo. Ao utilizar, representa a instituição? Os valores partidários do deputado fardado são os mesmos da instituição Polícia Militar? São cidadãos exercendo um direito ou representantes de uma instituição no parlamento?

E, em uma outra relação, ao ver o trabalho realizado pelos policiais militares ao garantir a segurança e o pleito no primeiro turno, poderia ter a percepção de que ali estavam possíveis representantes partidários? Se for afirmativa a resposta, qual o grau de possibilidade de outras intervenções serem lidas dessa forma e de o partido ter “entrado no quartel”?

Nesse mesmo sentido, a militarização das escolas como política de educação pública federal e estadual é um elemento desse contexto de expansão das fronteiras das atuações de militares das FFAA, das polícias e dos bombeiros militares com a implementação de 216 escolas até 2022, em parceria com governos estaduais, distrital e municipais.

A janela de oportunidades está aberta, talvez com o ápice no segundo turno para interromper o processo do “Partido Militar” de expansão de forma capilar em vários partidos políticos e em algumas instituições do Estado. É o momento de decisão de restabelecimento das competências de cada ator da segurança pública e dos militares e de refundar as instituições como ente do Estado e gestoras/operadoras de políticas de segurança pública, de forma que cada agente de segurança se sinta e seja percebido como um garantidor dos direitos humanos, não um filiado do “Partido Militar”, ainda que involuntário.

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