A policialização da política: a influência policial nas políticas públicas
A crescente influência dos policiais sobre as políticas públicas, seja por meio de cargos eletivos ou como grupos de pressão, redefine o que o Estado brasileiro faz e como faz. O risco é que essa proeminência produza respostas limitadas e contraproducentes aos problemas da população
Cleber Lopes
Professor de ciência política da UEL e Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS) da mesma instituição
Amanda Caroline Bezerra de Melo
Mestre em sociologia pela UEL e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS)
A crescente participação de policiais na política institucional tem chamado atenção nas últimas décadas. Estudos têm mostrado um crescimento contínuo de candidaturas policiais para cargos executivos e legislativos nos últimos 12 anos. A formação de bancadas da bala no legislativo federal e nos legislativos estaduais e municipais tem produzido o que Fiona Macaulay chamou de “policialização” da política, isto é, um processo no qual policiais passam a ocupar postos de decisão política e a influenciar diretamente a formulação de leis, a definição de prioridades orçamentárias e o controle de narrativas públicas sobre segurança e criminalidade[1].
A atuação dessas bancadas é apenas a faceta mais visível da influência que policiais têm exercido sobre políticas públicas. Os policiais têm atuado não apenas como autoridades eletivas, mas também como grupo de pressão na defesa de interesses corporativos e na propagação de soluções para problemas públicos variados, tais como os das populações em situação de rua e o da educação pública. A influência policial nas políticas educacionais nos últimos anos é notória e parece estar crescendo na esteira do aumento de ataques violentos a escolas e da ascensão de lideranças políticas de direita que veem a hierarquia e a disciplina, valorizadas principalmente pelas organizações policiais militares, como elementos fundamentais para o sucesso da política educacional e para o bom funcionamento da sociedade.
O caso do Paraná é emblemático. Sob o governo de Ratinho Júnior, o Estado aderiu prontamente ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), criado pelo governo Bolsonaro em 2019, que introduziu militares (da reserva, policiais ou bombeiros) na administração de escolas públicas de ensino fundamental e médio. O programa está atualmente em desativação, mas foi encampado e ampliado por Ratinho Júnior, que em 2020 criou a versão estadual desta política pública, o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná. O estado conta hoje com 312 colégios cívico-militares. Cerca de 21% dos estudantes da rede estadual estão sob esse modelo, que possui gestão compartilhada: professores e diretores civis cuidam da parte pedagógica, enquanto policiais militares da reserva atuam na disciplina, organização e atos cívicos.
Os colégios cívico-miliares não são a única política educacional do Paraná com o protagonismo de policiais militares. Desde 2019 o estado também conta com o Programa Escola Segura, que aloca policiais militares da reserva para atuar permanentemente na segurança de escolas da rede estadual. Estudo que conduzimos sobre o processo de formulação deste programa mostrou que o Estado-Maior da Polícia Militar do Paraná (EMPM) atuou como empreendedor dessa política pública, exercendo papel decisivo em sua formulação[2]. Tal política foi inicialmente pensada pelo EMPM como uma alternativa ao grande volume de ocorrências de incivilidade registradas pela Polícia Militar do Paraná, situação interpretada como consequência de uma sociedade “mal-formada” e “deseducada”. Nesse contexto, a inserção de policiais militares no ambiente escolar foi proposta como uma forma de atuar na raiz desses problemas, fomentando valores capazes de produzir uma sociedade mais ordeira e civilizada. A janela de oportunidades para esse projeto moral prosperar apareceu em 2018 e 2019, com a eleição de Ratinho Júnior e o massacre escolar de Suzano, na grande São Paulo, que resultou na morte de dez pessoas e colocou o tema da violência escolar na agenda pública.
A crescente influência dos policiais sobre as políticas públicas, seja por meio de cargos eletivos ou como grupos de pressão, redefine o que o Estado brasileiro faz e como faz. Como grupo social, os policiais carregam visões de mundo próprias, marcadas por valores como disciplina, hierarquia e autoridade, que moldam a formulação de políticas. O risco é que essa proeminência produza respostas limitadas e contraproducentes aos problemas públicos. Quando a lente policial se torna dominante, há a tendência de tratar desafios sociais complexos — da educação à segurança, passando pela convivência urbana — como problemas de ordem e punição, limitando o espaço para políticas públicas mais democráticas, inovadoras, plurais e inclusivas. Como diz o ditado, “para quem só tem um martelo, todo problema parece um prego”.