Política e Polícia 15/09/2022

A Pesquisa do FBSP, os Intelectuais e as Polícias

Um em cada três policiais que responderam à pesquisa justifica, com mais ou menos assertividade, um golpe político. Fosse um grupo representativo do todo, só no Estado de São Paulo teríamos nada menos do que 40.000 policiais dispostos a defender um golpe

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Glauco Silva de Carvalho

Bacharel em Direito (USP), mestre e doutor em Ciência Política (USP). Coronel da reserva da PMESP, foi diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos e Comandante do Policiamento na Cidade de São Paulo

Estou em poucos grupos de WhatsApp. Saí de boa parte deles; de outros, fui retirado. Participo daqueles grupos em que tenho amigos, nos quais, em que pesem as divergências de opinião, ainda há alto nível intelectual, ético e de respeito mútuo.

Por conta disto, ainda que eu mantenha absoluto sigilo e privacidade das discussões e conversas, em grupo, ou, por vezes, no particular, gostaria de compartilhar um vídeo que foi colocado em um desses grupos e que achei absolutamente apropriado.

Trata-se de um vídeo do então deputado e ministro, hoje candidato ao Senado Federal, Aldo Rebelo. Em entrevista concedida aos jornalistas Amanda Klein, Mauro Tagliaferri e Silvio Navarro, no podcast Opinião No Ar, Rebelo, apesar de sua absoluta sinceridade, sanidade, pureza intelectual e reconhecimento dos fatos, admitiu o que temos tratado nesses últimos meses, ainda que esporadicamente, nesta coluna.

Ao ser questionada pela jornalista se Bolsonaro não teria “capturado” as cores da bandeira e o patriotismo no 7 de setembro, Rebelo, com certa insatisfação e até mesmo indignação, responde: “eu creio que dizer que o presidente da República sequestrou a agenda nacional é eximir a responsabilidade do setor progressista que largou o verde-amarelo, largou a bandeira do Brasil pelo caminho […]”.

Pois bem, há meses temos discutido como o bolsonarismo se instalou no aparato policial, em especial nas Polícias Militares. Uma de minhas hipóteses é a de que o desprezo, o antagonismo visceral, o ódio e a repulsa de amplos setores da esquerda e da intelectualidade, no pós-regime militar (1983 em diante – considero aqui a assunção de governos de centro-esquerda no poder estadual, a exemplo de Montoro (SP), Brizola (RJ) etc., ou seja, nestes quase 40 anos, fez vicejar o namoro com a ultradireita. Sabemos, desde Reiner, analisando a Polícia de Londres, que os policiais sempre tiveram propensão conservadora. Ocorre que, no atual momento, ela beira patamares que repelem a democracia.

Não tiro a razão de setores da periferia que foram alvo de maus tratos ou tortura de parte da polícia; ou de intelectuais com 60 anos ou mais que sofreram as agruras do regime militar. Não poderia, jamais, exigir comportamento diferente. É, por óbvio, evidente que tais segmentos sempre assumiriam e assumem papel antagônico em relação às Polícias Militares, por serem elas que, no dia a dia, encarnam até hoje o regime de exceção. Ainda que não tenham sido elas as autoras do regime, tenham tido setores que se opuseram ao golpe e não tenham surgido durante o regime militar.

Mas não se toma atitude de confronto com as Polícias Militares, que beiram o preconceito, sem suas consequências. São dezenas de policiais militares mortos durante o serviço no período de um ano. Mais de 80% das apreensões de drogas e de armas, bem como de prisões em flagrante são realizadas, anualmente, pela Polícia Militar, no caso de São Paulo.

Não quero, de forma alguma, fazer tábula rasa para com as arbitrariedades, abusos e sevícias praticadas por policiais. Nem, igualmente, exigir conformidade e aceitação plena do status quo. A democracia liberal exige o contraditório, mas muitos comentários, artigos e entrevistas, proferidos e escritos nestes 40 anos, causaram-me repulsa e contrariedade, para dizer o mínimo. O resultado está aí.

Pois bem, o que está em questão, neste momento, corolário do que foi dito até aqui, é a pesquisa do FBSP sobre posicionamento político de policiais das mais diferentes agências de polícia do Brasil.

O autor e analista do Fórum, por otimista que é, começou todos os parágrafos com o lado bom da pesquisa. Eu vou inverter a lógica e analisar os aspectos negativos das respostas, e de poucas das perguntas feitas (o resultado da pesquisa é honesto ao ressaltar que não há parâmetros estatísticos capazes de ampliar sua assertividade para todo o conjunto de policiais do País).

Quando questionados se apoiam a tomada do poder por um “golpe de Estado”, nada menos do que 33,8% dos respondentes afirmam positivamente. Ou seja, 1 em cada 3 policiais justifica, com mais ou menos assertividade, um golpe político (enquadro nesse grupo quem “concorda totalmente”, “concorda” e “concorda em parte”). Fosse um grupo representativo do todo, só no Estado de São Paulo teríamos, em certas circunstâncias, nada menos do que 40.000 policiais dispostos a defender um golpe. Com o suporte de parcela ponderável da população, dá para fazer uma guerra civil de grandes proporções.

Outra questão demonstra as incongruências dos respondentes. Quando questionados se “apesar de ter alguns problemas, a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”, nada menos do que 93,3% concordam de alguma forma (“concorda totalmente”, “concorda” e “concorda em parte”). No entanto, quando questionados se o “Poder Judiciário mais atrapalha do que ajuda o trabalho das polícias”, 57,5% concordam de alguma forma com essa afirmação.

Em que pese estar, de alguma maneira, demonstrada a falta de legitimidade do Poder Judiciário, bem como de todo o aparato judicial, que envolve outras Instituições também, o que fica claro é que há grande incongruência entre a imensa maioria que apoia a democracia (93%) e 43% que veem, em alguma medida, o Poder Judiciário como óbice para sua atividade operacional, já que o Judiciário é elemento essencial na garantia de direitos individuais, no respaldo aos direitos humanos e na observância do devido processo legal.

Muito teria e tem que ser aprofundado em relação às respostas oferecidas.

Como estou numa fase bastante pessimista, talvez não seja o momento mais apropriado para eu analisar tais questões. Estive, neste final de semana, em regiões da periferia da cidade de São Paulo. Por vezes, tenho a impressão de que as pesquisas eleitorais mais abalizadas ainda não tenham capturado uma onda que, espero estar errado, está se formando no Brasil mais profundo. Em 15 dias, na minha próxima coluna, volto ao assunto. Mas isto é democracia. Erros e acertos devem nos pautar, orientar, corrigir e ressignificar. Mas sempre respeitando os fundamentos mais intrínsecos das democracias contemporâneas. E não sei se todos os candidatos estão nesse mesmo patamar. Estamos a três semanas das eleições. Nossos erros do passado pautam-nos para o futuro. A ver.

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