Perícia em evidência

A morte de Marília Mendonça: aspectos periciais de um acidente que comoveu o país

A perícia de acidentes aéreos é das mais difíceis, porque é como se obrigasse os especialistas a montar um grande quebra-cabeças. Nesse caso, o que importa é excluir a possibilidade de crime e buscar respostas para prevenir outras ocorrências do gênero

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito criminal aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O acidente que vitimou a cantora sertaneja Marília Mendonça e outras quatro pessoas, ocorrido no último dia 5 de novembro, trouxe grande comoção e ocupou durante vários dias as manchetes de todos os meios de comunicação.

Mas, em termos periciais, o que se pode abordar sobre o caso?

Inicialmente é preciso lembrar que o tema acidentes aéreos já foi objeto de uma matéria dessa coluna, na data de 21 de janeiro deste ano, em que explicamos as diferenças entre a perícia criminal, realizada pela perícia oficial dos estados, bem como pela Polícia Federal; e a perícia preventiva, realizada pelo órgão ligado à aeronáutica (CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos).

O acidente ocorrido na região de Caratinga (MG) envolveu uma aeronave de pequeno porte, um King Air C90a, fabricada em 1984. Essa aeronave tinha capacidade para seis passageiros, e segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), sua situação era regular. Operada por uma empresa de táxi aéreo, a documentação da equipe de voo e as autorizações também estavam em concordância com as exigências legais.

Uma investigação de acidente aeronáutico é sempre muito complexa. Todos os fatores envolvidos são verificados: a máquina, o meio, as condições climáticas, a documentação, os fatores humanos, tais como a saúde dos tripulantes, enfim, literalmente tudo é exaustivamente verificado.

O tipo de aeronave envolvida não exigia que fosse equipada com a chamada “caixa preta”, que nada mais é que um  “gravador de dados do voo”. Serve para registrar mensagens enviadas e recebidas à torre, bem como condições do voo, conversas que ocorrem dentro da cabine, e ainda variações técnicas de aceleração, altitude e potência de uma aeronave. Portanto, parte desses dados não poderá ser usada nessa investigação.

Algumas notícias veiculadas pela mídia informaram que um geolocalizador foi encontrado com os destroços e, se isso se confirmar, existe a possibilidade de que ele possa ajudar em relação à localização exata da aeronave antes dos momentos que culminaram com a queda.

Também se fala em perícia nos telefones celulares que estavam a bordo. Essa é mais uma das perícias que serão agregadas à investigação e que pode, de algum modo, contribuir.

Quanto à perícia médico-legal, a causa das mortes já é conhecida: politraumatismo. O corpo humano não apresenta  resistência suficiente para experimentar uma desaceleração da ordem experimentada pelos ocupantes da aeronave, que partem de uma condição de elevada velocidade para uma velocidade zero em questão de segundos. Há ainda a perícia toxicológica feita em todos os corpos e, em especial, a dos dois tripulantes. Esses exames visam excluir a possibilidade de influência de qualquer substância sobre a percepção da tripulação.

Tão logo começaram a surgir informações mais detalhadas do acidente e de sua possível dinâmica, apareceu a possibilidade de um choque da aeronave contra cabos de eletricidade de uma torre de distribuição pertencente à CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais). Ao que tudo indica, essa hipótese deve se confirmar no relatório final da investigação, uma vez que um cabo foi encontrado rompido e alguns veículos de comunicação noticiaram que um delegado envolvido na investigação revelou haver um segmento de cabo enrolado a uma das hélices do avião.

Em relação a essa possível colisão, chama a atenção que a rede de distribuição da CEMIG esteja fora da zona de proteção do aeródromo de Caratinga. Essa constatação sugere que a aeronave não deveria passar por esse ponto na altitude em que passou, propiciando a possível colisão.

As imagens da aeronave sobre um afloramento rochoso numa região de relevo acidentado e com uma cachoeira também é sugestiva: a aeronave estava danificada, é verdade, mas seus destroços, com exceção da cauda, que quebrara e se separara um pouco, compunham praticamente um conjunto único. Em outras palavras, não havia um espalhamento dos destroços, o que é indicativo de uma queda em baixa velocidade. Para permanecer em voo, uma aeronave deve estar em uma velocidade tal que permita uma sustentação, o que certamente não ocorreu nesse caso.

Outro aspecto fundamental dessa investigação passa pela perícia nos motores da aeronave. Os peritos vão responder se houve algum mal funcionamento mecânico que pudesse, por exemplo, justificar uma eventual altitude mais baixa que a esperada, por exemplo.

São, portanto, muitas as perguntas a serem respondidas por essa que é, sem dúvida, uma das perícias mais difíceis, por envolver muitos tipos de exames. É como montar um grande quebra-cabeça. E aqui não importa muito o prazo: não se pode e nem se deve pressionar os responsáveis. Importa aqui excluir a possibilidade de crime e definir os fatores concorrentes para o acidente, para que, além da questão da lei, se possa, acima de tudo, prevenir outras ocorrências do mesmo tipo.

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