Perícia em evidência 23/04/2025

A letalidade policial no Paraná: críticas alcançam a Polícia Científica e merecem atenção

Não basta a chamada Fé Pública do perito. Peritos podem errar ou fazer laudos incompletos. É preciso implantar rotinas que assegurem a possibilidade de uma verificação efetiva dos resultados

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal

O tema letalidade policial é recorrente nas colunas do Fonte Segura. Com Perícia em Evidência não é diferente. Desta vez, um artigo longo, publicado pelo UOL no dia 14 de abril, chamou nossa atenção pelo conteúdo. O título é “Famílias acusam Polícia Militar do Paraná de execuções.” O artigo aborda, além da questão da letalidade, muitos pontos referentes à atuação da perícia oficial do estado, com repercussões na perícia de todo o país, uma vez que o que acontece no estado do Paraná não é exclusividade daquele ente federativo, constituindo-se na regra para a maioria dos estados brasileiros.

Logo no início do artigo está escrito: “famílias apontam perícias superficiais e contradições nas investigações”. A matéria utilizou como base 22 laudos de casos de mortes com intervenção policial, nos quais a discussão principal é baseada na existência ou não de legítima defesa por parte dos agentes do estado, o que justificaria suas ações e seria considerada a excludente em relação a eventuais abusos, execuções e mortes produzidas sem uma real necessidade.

Mas o que seriam então as perícias superficiais? A matéria esclarece:

“Entre as falhas relatadas estão: a ausência de exames completos, como testes residuográficos, que detectam vestígios de pólvora nas mãos. Em muitos casos, o exame não foi realizado por omissão dos delegados ou porque os corpos foram lavados, o que envolve a coleta de provas. Também há relatos de incineração das roupas das vítimas e de impedimento do reconhecimento presencial.”

Sobre esse trecho é preciso esclarecer que o exame residuográfico, isoladamente, não prova que alguém efetivamente atirou. É preciso contextualizar com todos os demais elementos de prova, em especial a prova técnica, o exame de local, as condições em que o exame se realizou, dentre outros. Além disso, dependendo do recurso tecnológico empregado na  análise, o exame mais atrapalha do que propriamente ajuda as investigações. Entretanto, cabe à autoridade policial, ainda assim, solicitar o exame, mesmo com todas as ressalvas e limitações, que os peritos possam buscar esclarecer e interpretar os dados. Sobre as vestes, a justificativa oficial dada pelo governo foi a de que esses vestígios são incinerados graças à adoção de novas tecnologias para identificação de corpos e que as roupas das vítimas são descartadas por razões sanitárias. Estranha essa justificativa, uma vez que a incineração representa uma liberação de um vestígio que sequer foi examinado, contrariando o que está previsto no próprio artigo 158-B, que trata da Cadeia de Custódia, em seu Inciso X:

“X – descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)” . (Grifo nosso).

Na matéria há também o relato de que coletas de material para exame residuográfico não foram realizadas por terem sido os corpos lavados. Se não for requisitado o exame, os responsáveis pela necrópsia acabam evidentemente lavando os corpos. Portanto, para que se realize a coleta, ela deve ocorrer ainda na cena de crime, ou que o perito médico seja informado da sua necessidade antes do início da necrópsia.

No tópico “Fragilidade das Perícias”, a matéria informa que, na avaliação dos peritos consultados, os 22 laudos seriam “genéricos e pouco detalhados” e que as perícias não esclarecem a dinâmica dos confrontos. Já as necrópsias trariam descrições vagas, com poucas imagens.

Sobre isso importa reconhecer que muitos laudos de exame de local, mesmo quando o cadáver está presente, deixam de oferecer uma dinâmica parcial do evento, buscando esclarecer como os fatos ocorreram, contribuindo pouco para o entendimento necessário se uma legítima defesa por parte dos agentes do estado efetivamente ocorreu. Quando o cadáver não está no local do crime, a busca dessa dinâmica é ainda mais difícil. Já a questão das necrópsias tem sido objeto de muita crítica quando ao quesito ilustrações. Muitos estados não exigem que as necrópsias apresentem fotografias, o que dificulta a verificação dos elementos encontrados nesse exame. Não basta a chamada Fé Pública do perito. Peritos podem errar ou fazer laudos incompletos. É preciso implantar rotinas que assegurem a possibilidade de uma verificação efetiva dos resultados.

O resultado da análise dos 22 casos que a matéria selecionou é emblemático:

  • O exame residuográfico foi realizado em apenas um dos 22 casos.
  • O exame de local de crime ocorreu em apenas três. Naqueles registros, constatou-se que as armas das vítimas não foram acionadas e que os projetos encontrados “não estavam deflagrados, fragilizando ainda mais as hipóteses de confronto”.
  • A análise indica uma investigação genérica das lesões, sem informações detalhadas sobre dimensões e características dos danos.

Diante desse resultados é preciso admitir que, sem perícia de local de crime, é quase impossível discutir a dinâmica dos fatos que envolvem intervenção policial e que é necessário respeitar os protocolos. Enquanto isso, possíveis execuções, arbitrariedades e abusos permanecerão encobertos pela cortina da baixa qualidade dos serviços periciais.

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