Segurança Pública na Amazônia 17/01/2024

A interiorização das facções criminosas na Amazônia

Facções estão presentes em 23% dos municípios da Amazônia. Neles vivem 57,9% dos habitantes da região

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Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Instituto Mãe Crioula

A Amazônia é uma rota primária para a fluidez de drogas (cocaína e skank) que atravessam as fronteiras para atender o mercado nacional e internacional. O narcotráfico coexiste com outras atividades ilegais, que tendem a atrair o interesse das organizações criminosas. Em relação ao contexto brasileiro, vale lembrar que o país não é apenas uma área de trânsito da droga, mas tornou-se um importante mercado consumidor, e isto também foi fundamental para a reorganização do mercado, visto que diversas facções criminosas surgem nos estados brasileiros, inspiradas no Comando Vermelho (CV-RJ) e Primeiro Comando da Capital (PCC-SP). Essa lógica se reproduz na Amazônia.

Com isso, emergem na região facções com interesse de controlar as principais rotas do narcotráfico. No Pará, em 2007, houve a iniciativa de criação do Primeiro Comando do Norte (PCN), que acabou fracassando por conta da prisão dos líderes da organização que estava a se iniciar. No mesmo ano foi criada a Família do Norte (FDN) no estado do Amazonas, que se tornou a terceira maior facção criminosa do Brasil naquele período, ficando atrás apenas do CV e do PCC.

Até então, o controle das redes do narcotráfico na região era feito apenas pelas facções regionais e locais, destacando-se a FDN, que controlava todo o circuito do escoamento da droga colombiana e peruana pela rota do rio Solimões, utilizando parcerias com os cartéis colombianos e facções peruanas para o êxito do negócio ilícito. Entretanto, a mudança de chave ocorreu em 2016, com o rompimento do pacto de paz e cooperação estabelecido entre o PCC e o CV por quase duas décadas, tendo no assassinato de Jorge Rafaat, o “rei da fronteira”, em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, o estopim para o início de uma guerra entre as duas maiores facções nacionais. Com o rompimento da cooperação, o Comando Vermelho se viu forçado a procurar novas rotas e estabelecer novas alianças. A Amazônia é assim apresentada como uma região extremamente importante para o CV. Nesse cenário, em 2016 a FDN e o CV estabeleceram aliança que permitiu o acesso da rota do Solimões à facção carioca. Através da aliança com a FDN, o CV entra no estado do Amazonas a partir de Manaus e, no Pará, ganha tração a partir da sua forte presença no sistema prisional. O Comando Vermelho torna-se, assim, hegemônico na região, e essa forma de expansão se dá por todos os estados amazônicos, com exceção de Roraima.

Todavia, o rompimento da aliança entre CV e FDN, em 2018, levou esses grupos a uma guerra que se materializa pelas periferias de Manaus e se espalha para outros lugares do Amazonas, levando praticamente a FDN à extinção. Surgem, assim, outros grupos no Amazonas, tais como: Cartel do Norte (CDN), Revolucionários do Amazonas (RDA) e, na região da fronteira com o Peru e Colômbia, Os Crias. Esta descrição deixa evidente o quanto vai se tornando complexa a dinâmica criminal na região, já que essas facções passam a se difundir por todo o estado do Amazonas. Soma-se a este quadro a vinda do PCC para a região, com o intuito de ampliar o controle de novas rotas para escoamento da produção de cocaína do Peru, Colômbia e Bolívia através da região amazônica, fato que desencadeou o acirramento dos conflitos e o aumento na taxa média de homicídios da região, que antes apresentava um perfil de mais estabilidade.

No Pará surge a facção denominada Comando Classe A (CCA), uma espécie de braço político do PCC. Esse grupo, que tem sua origem no sistema prisional de Altamira, em 2018, não aceitou ser “batizado”[1] pelo CV dentro do presídio. Por isso, em 2019 travou uma guerra com o CV que culminou na morte de 54 pessoas de forma bastante violenta, quando algumas tiveram as cabeças decapitadas. No Amapá, a União Criminosa Amapaense (UCA) e a Família Terror do Amapá (FTA) vêm disputando influência e territórios. Isso tem intensificado os conflitos, que resultam em mortes violentas intencionais. Além disso, no ano de 2022 integrantes do PCC e do CV chegaram à região estabelecendo relações com as facções locais. Isso aproximou o PCC à FTA e o CV à UCA.

No mapa abaixo, é possível identificar os municípios que possuem a presença de facções, bem como aqueles em situação de disputa territorial e outros com registro da presença de apenas uma facção.[2]

 

Mapa 1. Municípios controlados e sob disputa das facções na Amazônia Legal

 

A partir da análise do Mapa 1, que retrata o cenário até o mês de outubro de 2023, é possível afirmar que, do total de 772 municípios da Amazônia Legal, identificamos que ao menos 178 possuem presença de facções, correspondendo a 23% de todos os municípios da região. Em relação aos municípios em situação de disputa territorial entre duas ou mais facções, identificamos ao menos 80 municípios, representando o percentual de 10,4% do total da região. Mas o que mais chama atenção e revela a gravidade do problema, é que, nos 178 municípios com a presença de alguma facção, vivem aproximadamente 57,9% dos habitantes da região. Já nos 80 municípios em disputa por facções, a população absoluta é de cerca de 8,3 milhões de habitantes, algo próximo de 31,12% da população total da Amazônia. Dito de outra forma, algo como 1/3 dos habitantes da Amazônia Legal está em áreas conflagradas e em disputa, sujeito às dinâmicas de violência extrema e sobreposição de ilegalidades e crimes.

Outra informação pertinente é a presença de 22 facções na região, presentes em todos os estados amazônicos. A fronteira amazônica possui a maioria dos municípios em disputa territorial por facções, que geralmente se instalam para estabelecer o controle dos fluxos e das relações de poder que garantam o escoamento para o território nacional. É importante salientar que nessa região também se constatou a presença de facções e gangues dos países vizinhos, que ora atuam em cooperação com as facções brasileiras, ora rivalizando com essas.

Já no interior da região, alguns municípios são disputados por serem estratégicos enquanto espaços de fluidez ou de consumo, devido, muitas vezes, ao quantitativo populacional e/ou por serem espaços de instalação de projetos de infraestrutura e dinamismo econômico, como é o caso das cidades de Marabá, Parauapebas, Altamira, Santarém, Itaituba e Oriximiná, no estado do Pará; Açailândia, Imperatriz, Santa Inês e Estreito, no estado do Maranhão; Palmas, Araguaína e Gurupi, no estado do Tocantins.

No Mapa 2 é possível identificar com mais clareza a presença das facções nos municípios da Amazônia Legal, inclusive destacando aqueles onde as facções estão em processo de disputa territorial que contribui para a elevação dos dados de violência na região. Essa presença das facções criminosas, como já se sabe, é em razão do controle das rotas e dos mercados de drogas.

 

Mapa 2. As facções que disputam o controle dos municípios amazônicos

 

*O texto original foi publicado em Cartografias da Violência na Amazônia e pode ser lido na íntegra neste link: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/sites/2/2023/11/cartografias-violencia-amazonia-ed2.pdf

[1] Significa, na linguagem das facções criminosas, inserir um novo integrante ao grupo, ocorrendo geralmente dentro do sistema penitenciário, ou seja, no interior das prisões, em que um grupo dominante do bloco impõe uma lógica de coerção e violência psicológica, podendo inclusive terminar em mortes ou massacres.

[2] Para elaborar o mapa, as equipes envolvidas cruzaram dados primários e secundários e montaram uma matriz na qual cada município da região foi classificado como tendo ou não a presença significativa de ao menos uma facção e, no caso da presença de mais do que uma delas, se havia indícios de disputas e conflitos em outubro de 2023, data de referência fixada. Em termos metodológicos, foram realizadas entrevistas com lideranças sociais e profissionais da segurança pública de todos os estados; foram analisados dados da mídia local e nacional; e, por último, dados de registros administrativos públicos disponíveis. Pela natureza do levantamento, é possível supor que as conclusões obtidas são uma primeira estimativa e podem estar subestimadas, o que só reforça a importância dessa agenda de pesquisa para a região, na medida em que o nível de comprometimento dos municípios ante o crime organizado já é bastante alto pelos nossos dados.

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