Múltiplas Vozes 20/12/2023

Vitimização nas polícias brasileiras: morte de uma Policial Civil em São Paulo comove corporação

Milene Bagalho Estevam, de 39 anos, investigadora da PCSP, é mais uma vítima da guerra urbana que se estabeleceu em diversas cidades do Brasil. Independentemente do que restar demonstrado no caso, cabe lamentar mais um exemplo do que a disseminação do uso de armas de fogo pode trazer como resultado: vidas perdidas e famílias dilaceradas

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Cássio Thyone Almeida de Rosa

Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Se na última coluna falamos sobre a letalidade das polícias no Brasil, ocorrências recentes nos remetem hoje a tratar da antítese desse tema: a vitimização policial em nosso país.

Números divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, revelaram um aumento de 14,6% de mortes violentas intencionais entre policiais (PMs e PCs) comparativamente entre os anos de 2021 e 2022.

Na guerra urbana que se estabeleceu em diversas cidades no Brasil, a mesma polícia que mata muito acaba morrendo também em elevado número.

Com grande frequência o noticiário repercute a morte de policiais em serviço, como se verificou com a notícia da morte de uma policial civil na cidade de São Paulo no último 16 de dezembro, um sábado. Milene Bagalho Estevam, de 39 anos, investigadora da Polícia Civil de São Paulo, foi atingida por três projéteis de arma de fogo disparados pelo empresário Rogério Saladino, de 56 anos, no bairro dos Jardins, na capital paulista. O crime aconteceu em frente da mansão onde residia o empresário. Além de Milene, também perderam a vida na ocorrência o próprio empresário e um vigilante que trabalhava para Rogério, identificado como Alex James Gomes Mury, de 49 anos. Tanto o empresário como o vigilante, a princípio, teriam sido alvejados pelo colega de Milene, também investigador que a acompanhava no momento dos fatos.

As primeiras informações divulgadas deram a entender que a ocorrência se materializou quando os dois policiais civis, em diligência investigativa, buscavam imagens de câmeras de residências da área onde está localizada a mansão de Rogério. O objetivo era investigar um furto ocorrido no dia anterior naquela região, no qual os criminosos teriam levado um veículo e pertences dos moradores. Os policiais buscavam câmeras de segurança que pudessem ajudar a solucionar o caso.

A apuração da morte das três vítimas nessa troca de tiros está sob a responsabilidade do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa – PCSP). Segundo as informações divulgadas, quando os dois investigadores avistaram o vigilante Alex numa moto, pediram para ele vídeos da câmera da mansão. O vigilante entrou no imóvel, falou com um segurança da guarita, que por sua vez pediu que o dono da residência fosse avisado. Rogério foi até a guarita, que é blindada, viu os dois agentes, mas desconfiou que eles não fossem policiais. Ele teria dado tiros de advertência para o alto para que os policiais, que acreditava serem falsos, fossem embora. Em seguida, abriu o portão eletrônico da mansão e saiu atirando em Milene, que nem sequer teve tempo de sacar a arma e reagir. No atendimento à ocorrência, foram apreendidas quatro armas para serem periciadas: duas que estavam com os policiais e outras duas que eram do dono da mansão, uma pistola calibre .45 e outra .380.

Um fato relevante é que o empresário era um CAC (Caçador, Atirador e Colecionador de Armas) e a pistola .45, que provavelmente tenha sido a arma que vitimou Milene, embora registrada, seria de uso para colecionador, não sendo autorizada para uso regular. Durante os exames realizados no local do fato, a polícia encontrou também porções de maconha e outras drogas (fala-se em haxixe e drogas sintéticas).

O trabalho da Polícia Científica de São Paulo foi realizado como um exame pericial de local de crime, incluindo uma vítima fatal no local, exatamente o corpo do vigilante. O empresário e a policial civil chegaram a ser socorridos e levados a hospitais antes de irem a óbito. Segundo informações, Milene foi ferida com duas perfurações no braço direito e um na axila direita.

Em relação a todas as possibilidades de exames e à contribuição que a perícia terá no inquérito e no processo apuratório, inclui-se:

  • A perícia de local de crime, que deve buscar reconstituir a dinâmica mais provável para o fato;
  • Exames cadavéricos (necrópsia) nas três vítimas, caracterizando-se a causa da morte e todas as lesões encontradas, além de buscar eventualmente projéteis alojados nos corpos;
  • Exame das imagens de câmeras de segurança, que irão auxiliar na compreensão da dinâmica e no papel de cada envolvido no evento;
  • Perícias de eficiência das armas de fogo apreendidas e empregadas no evento;
  • Perícias de confronto balístico que poderão ser realizadas entre as armas e os projéteis e os estojos deflagrados recolhidos no local dos fatos (projéteis e estojos) ou extraídos dos corpos (projéteis), o que definirá quem desferiu disparos de arma de fogo contra quem;
  • Exames toxicológicos nas substâncias suspeitas de serem entorpecentes apreendidas no local;
  • Exames toxicológicos no corpo do empresário, visando esclarecer se ele teria feito uso de substâncias entorpecentes ou álcool antes do evento;

Independentemente do que restar demonstrado no caso, cabe lamentar mais um exemplo do que a disseminação do uso de armas de fogo pode trazer como resultado: vidas perdidas e famílias dilaceradas.

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