Múltiplas Vozes 26/11/2025

Violência criminal e erosão democrática: por que as forças democráticas deveriam se preocupar com a segurança pública

A insegurança pública se tornou um dos fatores centrais da erosão democrática. Quando ela se torna saliente, criam-se condições mais favoráveis à ascensão de lideranças políticas autoritárias e dispostas a sacrificar a democracia em nome do controle do crime

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Cleber Lopes

Professor de ciência política da Universidade Estadual de Londrina

Caio Cardoso de Moraes

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais

A violência se tornou o principal tema de preocupação dos brasileiros, conforme pesquisas de opinião pública vêm mostrando, desde maio de 2025. Dados divulgados pela Quaest mostram que a preocupação com o tema atingiu seu ápice no começo deste mês, logo após a operação policial que resultou na morte de 122 pessoas no Rio de Janeiro. Em maio, 27% dos brasileiros indicaram a violência como o principal tema de preocupação. Em novembro essa cifra saltou para 38%, valor muito acima da economia (15%), da saúde (10%) e da educação (7%)1. A operação policial no Rio de Janeiro gerou grande repercussão e ampliou a saliência do tema da segurança pública na agenda política, provocando forte movimentação da direita e embates com a esquerda no Legislativo.

A saliência da violência criminal na opinião pública e entre as elites políticas, em especial as de direita, traz à tona uma preocupação que transcende o debate sobre quais políticas públicas são mais adequadas para lidar com o problema do crime e da insegurança na sociedade brasileira. O tema segurança pública tem potencial para afetar a própria legitimidade da democracia. A despeito da resiliência institucional que a democracia brasileira tem demonstrado, o crime e a insegurança corroem o apoio à democracia e semeiam terreno favorável à ascensão de lideranças políticas autoritárias. Portanto, enfrentar esses problemas deveria ser questão central na agenda política das forças democráticas.

Diversas pesquisas recentes da área de ciência política têm mostrado como a violência fragiliza o compromisso democrático. Uma das mais contundentes é a de Chu e colegas, cujos resultados foram recentemente publicados na prestigiada Comparative Political Studies. Os autores investigam até que ponto cidadãos de seis países bastante diversos — Egito, Índia, Itália, Japão, Tailândia e Estados Unidos — estariam dispostos a trocar dimensões fundamentais às democracias (eleições, liberdades individuais e freios e contrapesos) por outros resultados desejáveis, como serviços de saúde de qualidade, menos corrupção, segurança pública, padrão de vida e pertencimento social. Uma das descobertas mais notáveis é que, embora as pessoas valorizem amplamente eleições livres e justas, muitas se mostram dispostas a sacrificar essa e as dimensões de uma democracia quando confrontadas com cenários de insegurança pública. Em outras palavras, a democracia eleitoral é importante, mas se torna vulnerável quando crime e violência ocupam o centro das preocupações dos cidadãos2.

O estudo de Chu e colegas não contempla países da América Latina e Caribe, região que apresenta os piores indicadores criminais do mundo e marcada pela instabilidade dos seus regimes políticos. Entretanto, pesquisas recentes realizadas na região também apontam para a capacidade que a violência tem de corroer o apoio à democracia. É o caso do artigo de Gabriela Ribeiro Cardoso e Julian Borba, publicado na Brazilian Policial Sciente Review, que analisou dados de opinião pública e indicadores de violência letal intencional em 17 países da América Latina. O estudo mostra que a vitimização e o medo do crime diminuem a confiança das pessoas nas instituições e o apoio à democracia. O impacto negativo que ser vítima de um crime tem sobre a democracia é amplificado nos países que apresentam altas taxas de homicídios. O Brasil é um dos casos mais críticos, pois apresenta taxas de homicídios relativamente altas e os níveis mais baixos de confiança institucional e apoio à democracia dos 17 países analisados3.

A insegurança pública se tornoue um dos fatores centrais da erosão democrática. Quando ela se torna saliente, criam-se condições mais favoráveis à ascensão de lideranças políticas autoritárias e dispostas a sacrificar a democracia em nome do controle do crime. Daí a necessidade de as forças democráticas defenderem e implementarem políticas de segurança pública eficientes. Essas políticas são essenciais não apenas para o controle do crime e produção de bem-estar, mas também para a salvaguarda do regime democrático.

Referências
(1) 19ª Rodada – Novembro 2025: Pesquisa eleitoral para presidente. São Paulo: Quaest Research, nov. 2025. Disponível em: https://quaest.com.br/wp-content/uploads/2025/11/GENIALQUAESTNACNOV25ELEICOES26.pdf. Acesso em: 24/11/2025
(2) CHU, Jonathan A.; WILLIAMSON, Scott; YEUNG, Eddy SF. Are People Willing to Trade Away Democracy for Desirable Outcomes? Experimental Evidence From Six Countries. Comparative Political Studies, p. 00104140251392539, 2025
(3) CARDOSO, Gabriela Ribeiro; BORBA, Julian. Violence and Democratic Legitimacy in Latin America: Causal Mechanisms and Contextual Effects. Brazilian Political Science Review, v. 18, n. 3, p. e0007, 2024.

 

 

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