Violência contra meninas e mulheres cresce no 1º semestre de 2023
Foram registradas 1.902 mortes de mulheres no período, aumento de 2,6% em relação às mortes ocorridas no ano anterior; já o número de estupros e estupro de vulnerável foi de 34 mil casos, crescimento de 14,9% em relação ao mesmo período do ano passado, o maior número da série histórica monitorada desde 2019
Amanda Lagreca
Pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mestranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getúlio Vargas.
O dia 25 de novembro é reconhecido como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Para marcar a data, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou na última semana dados referentes aos crimes de homicídio doloso, feminicídio, estupro e estupro de vulnerável contra meninas e mulheres do primeiro semestre de 2023.*
No período, 722 mulheres foram vítimas de feminicídio, crime inserido no Código Penal através da Lei 13.104/2015, enquanto uma qualificadora do crime de homicídio doloso. Considera-se feminicídio quando o crime decorre de violência doméstica e familiar em razão da condição de sexo feminino, em razão de menosprezo à condição feminina, e em razão de discriminação à condição feminina (Bianchini, Bazzo, Chakian, 2022). Em relação ao ano de 2022, o crescimento foi de 2,6%, alta puxada pelo Sudeste, única região onde o crime cresceu, com aumento de 16,2% na comparação entre os dois períodos. No que diz respeito à comparação com o ano de 2019, o crescimento no Brasil foi de 14,4%, referente também ao primeiro semestre.
Em relação aos homicídios dolosos, foram 1.902 mortes de mulheres no primeiro semestre de 2023. Houve aumento de 2,6% em relação às mortes ocorridas no ano anterior, referente ao mesmo período. Uma das hipóteses levantadas quando se analisa o crescimento dos feminicídios é um aprendizado das instituições de segurança pública na investigação dos crimes, com a inserção da qualificadora, já que a Lei 13.104/2015, que prevê o feminicídio, é recente. O crescimento dos homicídios dolosos femininos nos indica que a hipótese pode ser refutada, à medida que houve crescimento também dos homicídios dolosos, e não apenas dos feminicídios. Vale destacar que no mesmo período, de acordo com os dados publicados pelo Monitor da Violência, parceria entre o G1, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e NEV-USP, houve queda das Mortes Violentas Intencionais de 3,4% no país. Estamos diante de um cenário que, embora o país tenha tido êxito na redução da violência letal no período, os assassinatos de mulheres apresentaram crescimento.
Para compreendermos de forma mais aprofundada os serviços oferecidos às mulheres vítimas de violência, mapeamos relatórios feitos por algumas unidades da federação a respeito das Medidas Protetivas de Urgência (MPU), mecanismo previsto na Lei Maria da Penha, quando foram mortas. A maior parte das vítimas não tinham MPU vigente quando foram vitimizadas, e nem tampouco realizado Boletim de Ocorrência contra o agressor. Os relatórios nos apontam que as vítimas de feminicídios sequer estão chegando ao sistema de justiça.
No que diz respeito à violência sexual, a cada 8 minutos uma menina ou mulher foi vítima de estupro ou estupro de vulnerável nos primeiros seis meses de 2023. Ressalta-se que os dados dizem respeito aos casos que chegam às instituições de segurança pública – de acordo com a última edição da pesquisa de vitimização criminal realizada pelo Departamento de Justiça dos EUA, a porcentagem de violência sexual reportada às policiais foi de 21,4%. No caso brasileiro, pesquisadores do IPEA, tendo como referência o ano de 2019, estimaram, de acordo com diferentes bases de dados, que apenas 8,5% dos estupros que ocorrem no país são registrados pelas polícias. Estamos diante de um cenário que a subnotificação dos crimes sexuais é elevada; os dados retratados aqui dizem respeito aos crimes que, de fato, chegam às instituições policiais.
O crescimento se deu em todas as regiões do país: o crescimento no Centro-Oeste foi de 9,7% na comparação entre o 1º semestre de 2022 e 2023; no Norte, o crescimento foi de 25%, no Nordeste foi de 13,2% e no Sudeste de 4,8%. A maior alta foi na região Sul, com crescimento de 32,4%, puxado principalmente pelo aumento de 103,9% nos casos de estupros e estupro de vulnerável com vítimas femininas em Santa Catarina.
74,5% das ocorrências no primeiro semestre de 2023 foram de estupro de vulnerável – vítimas com menos de 14 anos ou incapazes de consentir, seja por enfermidade, deficiência mental ou qualquer outra causa que não pode oferecer resistência. Os dados referentes ao ano de 2022, publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, nos ajudam a entender o cenário: a maior parte das vítimas em 2022 tinham entre 0 e 13 anos. A violência sexual ocorre por autores próximos das vítimas, em geral familiares, e na residência; o que, muitas vezes, dificulta que a denúncia pode ser feita, já que a violência é cometida por pessoas de confiança das vítimas.
O Brasil registrou 34 mil casos de estupro e estupro de vulnerável de meninas e mulheres no primeiro semestre deste ano, crescimento de 14,9% em relação ao mesmo período do ano passado. O número é o maior da série histórica monitorada desde 2019, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo.
Assim, o que os números retratados acima mostram que o Estado brasileiro segue falhando na tarefa de proteger suas meninas e mulheres. São necessárias políticas públicas capazes de mudar o cenário, que vêm se agravando, como os dados publicados têm nos mostrado.