Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
As perícias, sejam oficiais ou particulares, apresentam um espectro bastante amplo em relação às suas áreas de abrangência. Algumas áreas são bastante conhecidas pelo público em geral, pois estão a todo momento na mídia e nas manifestações daqueles envolvidos diretamente com a utilização dos resultados que ela pode proporcionar. De 30 anos para cá nos acostumamos cada vez mais a ouvir declarações como: “Temos que aguardar a perícia!.”; “Os peritos vão nos dar as respostas de que precisamos!”.
Nas últimas décadas, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, foi notória a evolução das técnicas e equipamentos desenvolvidos exclusivamente para a área pericial.
A importância da perícia também se fez notar por uma valorização cada vez maior da prova técnica. O chavão do direito que preconiza que não existe hierarquia entre as provas nunca foi tão posto em xeque. Será mesmo que um operador do direito, como um juiz ou um promotor de justiça, não iriam, mesmo que em seu subconsciente, dar mais valor a uma prova técnica do que a uma prova testemunhal, em especial quando as duas se contradizem?
Vários foram os casos midiáticos no Brasil nas últimas décadas que colaboraram para fazer com que a perícia ganhasse o atual status que conhecemos. Podemos citar aqui alguns deles:
- O Caso Mengele (1995), em que a identificação de uma ossada localizada em Embu das Artes-SP permitiu a comprovação da identidade do alemão Josef Mengele, médico que trabalhou no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial, responsável por atrocidades e experimentos humanos envolvendo judeus e outros grupos (gêmeos, anões, etc.);
- O Caso PC Farias (1996), no qual o ex-tesoureiro do ex-presidente Collor, Paulo César Farias e uma namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados mortos em uma casa de veraneio na praia de Guaxuma, ao norte de Maceió (AL). A grande controvérsia do caso girou em torno de se definir se houve ali um homicídio de PC com autoria de Suzana, seguido de um suicídio de Suzana, ou se foi um duplo homicídio. A perícia oficial sustentou a primeira hipótese;
- O Caso Richthofen (2002), um duplo homicídio cujas vítimas, Manfred Albert von Richthofen e Marísia von Richthofen, foram assassinados pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, a mando da filha do casal, Suzane von Richthofen. O crime ocorreu na mansão da família no Brooklin, em São Paulo;
- O Caso Isabella Nardoni (2008), no qual a vítima, uma menina de cinco anos de idade, teria sido jogada do sexto andar de um edifício em São Paulo. Os autores condenados eram seu pai, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Anna Carolina Jatobá;
Outro fator que certamente influenciou na mudança de como vemos a perícia é o que a academia denominou de “Efeito CSI”, uma verdadeira invasão de seriados, filmes e documentários sobre perícia, responsáveis por uma popularização excessiva e também por dificuldades trazidas pela divulgação em massa das técnicas empregadas.
As áreas mais conhecidas da perícia são aquelas que estão normalmente na mídia: perícia de local de crime, perícia cadavérica, perícia de acidente de trânsito, perícia de incêndios e explosões, perícia de grandes acidentes ambientais, etc.; mas no universo pericial há também espaço para as perícias menos badaladas, menos conhecidas e midiáticas. São exames de eficiência de instrumentos, exames de avaliações, exames de natureza de material (biológico, inorgânico); exames de contabilidade, etc.
Para demonstrar o quanto pode ser diferente um trabalho pericial passo a relatar um exame que fiz quando estava lotado na Seção de Perícias e Análises Laboratoriais. Recebi um memorando da Delegacia do Consumidor (DECON), solicitando um exame em uma bandeja contendo camarões do tamanho VG. A solicitação apenas informava que aquela bandeja teria sido apreendida em um supermercado por conta de uma reclamação de uma consumidora que alegava ter comprado uma bandeja do mesmo lote e que os camarões não seriam todos do tamanho grande. O caso sugeria uma prática conhecida como maquiagem de produtos. A questão é: como provar tecnicamente essa conduta?
Depois de passar uma semana pensando em como tratar o problema, decidi então realizar a perícia. Inicialmente descrevi e fotografei a peça questionada, incluindo todos os rótulos que traziam a massa, descrição, etc. Na sequência, descongelei o produto e separei os exemplares de camarão em duas camadas, Camada 1 e Camada 2, uma disposta de modo superior e outra inferior na bandeja. Todos os exemplares de cada camada foram então numerados, pesados, medidos e fotografados. Com esses dados foram gerados os valores médios das variáveis peso e comprimento para cada camada e também para a bandeja toda. As tabelas também permitiram construir gráficos de distribuição de peso e tamanho para cada camada e para a bandeja completa.
Com isso a análise demonstrou de forma muito clara que a Camada 1, superior, apresentava valores para peso e tamanho dos camarões muito acima dos da Camada 2, provando a suposta maquiagem do produto. Além disso, a perícia também demonstrou outro grave desrespeito ao consumidor: a quantidade de água congelada agregada ao produto. No caso havia uma massa líquida incorporada aos camarões que representava 38% da massa líquida informada no rótulo, fora dos limites permitidos. A consumidora havia pagado por mais de 200g de água (gelo), a um valor de R$ 94,50/Kg.
Não importa o objeto da perícia. É tudo perícia!