Editorial

Soluções caseiras para redução das mortes violentas

Estados que reduziram consideravelmente o número de homicídios adotaram políticas de segurança pública baseadas na responsabilização dos comandantes e delegados-chefes, elaboração de indicadores e metas de desempenho e criação de comitês gestores

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Arthur Trindade M. Costa

Professor de Sociologia da UnB e membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Os homicídios são uma das maiores tragédias já vivenciadas pela sociedade brasileira. Segundo o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Criminalidade (UNODC), em 2016, dentre as 50 cidades mais violentas do mundo, 43 estavam localizadas na América Latina, sendo que 19 eram brasileiras. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, foram registradas 50.033 mortes violentas intencionais (MVI) no país. A categoria Mortes Violentas Intencionais inclui homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em decorrência de intervenção policial. O número de mortes violentas registradas no Brasil foi superior ao somatório de todas as mortes violentas registradas na Europa, EUA e Canadá no mesmo ano. Além da perda das vidas, estas mortes são um trauma para os familiares, que passam a conviver com problemas econômicos e psicológicos difíceis de superar.

A partir de meados da década de 2010, o crescimento dos homicídios ganhou destaque na mídia brasileira. Diariamente os jornais e redes de televisão noticiam casos de mortes violentas e cobram das autoridades respostas efetivas para o problema. Ou seja, o problema dos homicídios entrou no discurso público. Expressões técnicas como taxa de homicídios, taxa de elucidação criminal e letalidade policial foram incorporadas ao discurso político. Mas apesar disso, o número de mortes violentas intencionais se mantém elevado há mais de 30 anos.

Apesar de o quadro geral ser desalentador, alguns estados registraram diminuição considerável no número de homicídios. Entre 2011 e 2020, observou-se a redução das taxas de MVI nos seguintes estados: Distrito Federal (-51,4%), Alagoas (-51,1%), Paraná (-34,7%), Paraíba (-34,3%), Minas Gerais (-34,3%), Espírito Santo (-29,2%), São Paulo (-24,9% e Santa Catarina (-23,6%). Três capitais brasileiras – São Paulo, Florianópolis e Brasília – registraram menos de 15 homicídios por 100 mil habitantes, taxas inferiores às registradas em Chicago, Los Angeles e Washington.

Estes estados têm em comum a adoção de políticas de segurança públicas baseadas na gestão por resultados. Tais políticas baseiam-se em três elementos: na responsabilização dos comandantes e delegados-chefes, elaboração de indicadores e metas de desempenho; e na criação de comitês gestores.

A responsabilização dos comandantes e delegados-chefes só foi possível com a criação das regiões e áreas integradas de segurança públicas. As RISP’s e AISP’s foram implantadas inicialmente no Rio de Janeiro com o objetivo de coincidir a área de competência dos batalhões e delegacias. Em geral, a área de atuação dos batalhões e delegacias não coincidiam, o que tornava a coordenação e integração das ações muito difícil. E, portanto, impossibilitava a responsabilização dos gestores de polícia.

O passo seguinte foi fortalecer a capacidade dos estados produzirem indicadores criminais confiáveis e desagregados para cada RISP e AISP. Cada um desses estados criou seu próprio modelo de produção de estatísticas. Alguns estados fortaleceram as secretarias de segurança pública para produzir os indicadores criminais. Outros estados criaram órgãos específicos para desempenhar a tarefa.

Finalmente, foram criados comitês gestores para monitorar o desempenho das polícias. Em geral, esses comitês são presididos pelos governadores de estados e reúnem, além das polícias, representantes das áreas de educação, planejamento, infraestrutura, saúde e juventude. Também são convidados membros do Judiciário e do Ministério Público para participarem das reuniões nas quais os comandantes e delegados-chefes são cobrados para alcançarem metas de desempenho.

Esse modelo de gestão é uma solução caseira para o problema crônico da falta de integração e da ausência de objetivos das políticas de segurança pública. Em função dos bons resultados alcançados, nos últimos 10 anos o modelo tem sido implantado em diversos estados, onde foi rebatizado como Pacto pela Vida, Estado Presente, Viva Brasília, Ceará Pacífico, RS Seguro e Paraíba Unida pela Paz.

A adoção desse modelo de gestão, isoladamente, não garante resultados positivos. É necessário investir em equipamentos, adquirir novas tecnologias, contratar novos policiais e, principalmente, valorizar os profissionais de segurança pública. Mas não há dúvida de que apostar na gestão da segurança pública é uma boa ideia.

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