Sete frentes de ação para o combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami
Ações baseadas exclusivamente em comando e controle não têm sido suficientes para resolver o problema, segundo estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Mãe Crioula
Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Instituto Mãe Crioula
O combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) exige esforços integrados e estruturados. Ações baseadas exclusivamente em comando e controle não têm sido suficientes para a resolução do problema. Com base no estudo “A nova corrida do ouro na Amazônia: garimpo ilegal e violência na floresta”, realizado junto a interlocutores na localidade (entrevistas com profissionais de segurança pública e da fiscalização ambiental; observações etnográficas e conversas informais com garimpeiros e moradores), apresentamos, a seguir sete frentes de ação essenciais para o combate ao garimpo ilegal na TIY.
- Estabelecimento de bases fixas e integradas em pontos estratégicos
A entrada de indivíduos vinculados a organizações criminosas dentro da TIY elevou o nível de conflitualidade no território, de modo que existe um consenso entre os atores implicados nas ações de desintrusão de que será necessário garantir a presença de agentes da força de segurança de forma mais perene no território, pelo menos por um certo período, impedindo que os invasores retornem ao local logo após o término das operações. É necessário implementar e manter bases fixas em locais estratégicos dentro da TIY, onde agentes das forças policiais federais e órgãos ambientais possam operar de forma integrada. Atualmente, existem duas bases fixas, sendo a maior a Base de Palimiú, que é estratégica por ser o principal acesso fluvial à TIY. No entanto, o número insuficiente de agentes torna a base vulnerável a ataques e tentativas de ultrapassagem por garimpeiros. Portanto, é essencial aumentar o efetivo e garantir a permanência dos agentes, respeitando a rotina e os costumes dos indígenas.
- Reconstrução das Bases de Proteção Etnoambientais (BAPEs)
Estratégia vista como central para o restabelecimento do controle territorial da TIY é a reconstrução das BAPEs, que foram descontinuadas e que servem como apoio para as ações da FUNAI e para o atendimento à saúde (SESAI). Atualmente, estão ativas as BAPEs de Walopali, Serra da Estrutura e Ajarani. A BAPE de Uraricoera está em construção. A tarefa seria de competência do Exército, segundo alguns interlocutores, uma vez que exige efetivo maior, além da permanência no local enquanto as estruturas são reativadas. Para garantir a segurança dos trabalhadores da FUNAI e da área da saúde, entende-se que seria necessário manter nas BAPEs integrantes das forças de segurança armados, ao menos até que se dê a retomada do controle territorial.
- Investigações para desmantelar a cadeia produtiva do ouro
De modo geral, quando se fala em ações essenciais em segurança pública, aumentar a capacidade estatal para investigar cadeias mais longas e estruturadas de um certo tipo de criminalidade é uma iniciativa central. No caso do garimpo ilegal, essa também é uma estratégia apontada pelos interlocutores que precisaria se desenrolar em paralelo às demais ações. Investigações voltadas a identificar os agentes financiadores do garimpo e a cadeia responsável pela integralização do ouro ilegalmente extraído no mercado legal do minério são fundamentais.
As investigações são de competência da Polícia Federal e, em muitos casos, são subsidiadas com informações colhidas pelos agentes durante a atuação nas operações de ataque. As investigações por si só, contudo, não são capazes de desmantelar a rede de garimpo ilegal presente no TIY. Uma das razões para isso é a diferença de tempo. Para que uma investigação atinja resultados concretos, trata-se de um procedimento mais longo que envolve decisões judiciais e todas as etapas normais de um processo judicial. Além disso, a quantidade de agentes financiadores do garimpo ilegal é imensurável e facilmente substituível, justamente pela heterogeneidade já apresentada: há desde empresários maiores que operam de outras regiões do país, até proprietários de pequenos estabelecimentos na cidade de Boa Vista. Não há líderes ou hierarquia estabelecida entre esses atores. Assim, investigações que consigam atingir a estrutura financeira e logística dos grupos criminosos do garimpo ilegal são essenciais, mas precisam necessariamente ocorrer simultaneamente a operações de combate direto, sobretudo como forma de dissuadir a ideia de que o território está desprotegido e disponível à exploração ilegal.
- Bloqueios logísticos nas imediações da TIY
Intervenções fora dos limites da reserva, como bloqueios logísticos de insumos necessários ao garimpo, são essenciais. A fiscalização de rodovias e a regulamentação do transporte de materiais, especialmente gasolina, podem impedir a entrada de suprimentos para os garimpos. A Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal devem atuar na identificação e interceptação dessas cadeias de fornecimento, com sanções às distribuidoras que conscientemente abastecem os garimpeiros.
- Resguardo das investigações nas decisões jurisdicionais
Uma fragilidade do controle à criminalidade do garimpo ilegal levantada por alguns dos interlocutores é a ausência de uma atuação mais firme por parte do Poder Judiciário naquilo que lhe cabe, como nas autorizações judiciais para a deflagração das operações, no recebimento das denúncias apresentadas pelo MPF e na conversão das prisões em flagrante em prisões preventivas. Segundo um interlocutor, “falta uma certa sensibilidade do jurídico para a questão indígena”. Sem esse respaldo, as investigações maiores que visem desmantelar estruturas de financiamento acabam sendo pouco efetivas ou, em razão da perda de timing, deixam de surtir o efeito desejado. O exemplo mais claro dessa fragilidade é o caso dos pedidos de prisão do empresário conhecido como Rodrigo Cataratas, solicitados pela PF e pelo MPF por sete vezes, seguidos de sete negativas por parte dos juízes designados. Alguns dos crimes que subsidiavam os pedidos eram lavagem de dinheiro, homicídio culposo, usurpação de bens da União e organização criminosa. As investigações apontam Cataratas como um agente que atua na logística aérea para os garimpos dentro da TIY, agenciando aeronaves e contratando pilotos.
- Protagonismo indígena: Guardas indígenas e uso de tecnologias de monitoramento
O direito à autodeterminação indígena é assegurado pela Constituição Federal. Em um contexto em que essas populações estão entre as mais afetadas e em que sua relação com a floresta as torna grandes conhecedoras dos territórios, é fundamental que as iniciativas indígenas sejam fortalecidas e incentivadas. Associações como a Hutukara Associação Yanomami, em parceria com outras instituições, já realizam projetos de vigilância aérea e monitoramento próprio de áreas de garimpo na TI, com o uso de drones e aeronaves. A exemplo de iniciativas na TI Raposa Serra do Sol, já relatadas, frentes de segurança comunitária indígena em diálogo e cooperação com as forças de segurança do Estado já são uma realidade, mas ainda necessitam de planejamento, articulação e consolidação.
- Recuperação das áreas degradadas
Finalmente, estratégia a ser adotada no médio e longo prazo para reestruturação da saúde da população yanomami e para proteção da sua autodeterminação e autonomia diz respeito à recomposição ambiental dos locais degradados pelo garimpo. Um elemento dificultador desse ponto é o compartilhamento entre indígenas e garimpeiros das mesmas porções do território, como já citado. Em alguns casos, portanto, até que o meio ambiente seja restaurado, será preciso que a FUNAI direcione os indígenas para outros locais que se encontram mais preservados e onde há maiores condições de acesso à alimentação e à água limpa. Outra ação necessária nesse ponto é o apoio da Fundação na reconstrução das roças dos indígenas que foram queimadas ou destruídas pelos garimpeiros ao longo dos últimos anos.
*O texto original foi publicado em A nova corrida do ouro na Amazônia: garimpo ilegal e violência na floresta e pode ser lido na íntegra neste link: <https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/5fd55da7-e834-4a38-810e-1bbe9a651c8e>.