Especial - Violência no Pará

Segurança pública sob fogo no Pará

Se a violência injustificada pode estar por trás das recentes mortes dos agentes da segurança pública no Pará, nada mais adequado e simbólico do que a resposta qualificada, efetiva e legal das forças policiais paraenses

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Sandoval Bittencourt de Oliveira Neto

Coronel da reserva (PMPA), doutor em Sociologia (UnB), membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Operadores do sistema de segurança pública do Pará são vítimas de grave onda de violência, concentrada notadamente na região metropolitana da capital, Belém. Conforme os jornais, nas primeiras semanas do mês (5 a 18/5), dois policiais penais, um policial civil, dois guardas municipais e cinco policiais militares (ativa e reserva) foram cruelmente executados. Soma-se a essas cifras fúnebres um montante equivalente de ataques tentados contra os agentes e quatro baleamentos que, por sorte, não resultaram em morte.

A forte divulgação na mídia local dos ataques indiscriminados concorreu para espalhar medo e intranquilidade, modificando o cotidiano de parte da população paraense, sobretudo dos agentes da segurança pública e seus familiares e dos moradores das periferias onde a violência letal se concretiza.

A série de atentados se deu em meio às operações policiais iniciadas na sexta-feira (13/5), sob a coordenação da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup). O policiamento ostensivo foi intensificado nas cidades onde os crimes ocorreram, com o incremento expressivo de patrulheiros e viaturas da polícia militar, com o apoio integrado de efetivos da polícia civil, da perícia científica, do corpo de bombeiros militar, da secretaria municipal de mobilidade urbana (na capital) e das guardas dos municípios diretamente atingidos. Rondas foram organizadas para dar assistência aos policiais da ativa e veteranos, acionadas rapidamente por meio das redes sociais e de arranjos comunitários de autoproteção dos agentes.

O balanço parcial Segup assinala 287 prisões em flagrante, sendo 65 por tráfico de drogas, além da apreensão de 15 armas de fogo e de entorpecentes. Ademais, foram 89 cumprimentos de mandados de prisão e recapturas de alguns foragidos da justiça. A apresentação pública dos resultados das operações enfatiza a prisão, em menos de 24 horas, de um dos envolvidos no homicídio contra um sargento policial militar da reserva. O suspeito, de 23 anos, foi preso e confessou participação na execução encomendada por mil reais. Na ação criminosa, contou com o apoio de dois comparsas. Um morreu em troca de tiros com policiais militares ao reagir à prisão. O segundo continua procurado e, de acordo com as investigações, é ligado ao tráfico de drogas na capital paraense. Outros cinco suspeitos de envolvimento nos atentados acabaram mortos ao reagirem à prisão atirando contra as guarnições, afirmam os policiais.

Excluídos os casos pontuais em que a morte do agente decorreu de latrocínio ou cuja motivação do homicídio guarda relação particular com a vítima, as execuções apresentam o mesmo modo de atuação (indiscriminada e oportuna em relação à vulnerabilidade da vítima) e o igual perfil dos suspeitos, dos presos e dos mortos pela polícia. São todos integrantes da facção criminosa Comando Vermelho (CV).

Elencados os fatos de conhecimento público, afinal, o que pode estar por trás dessa onda de violência?

Sem a conclusão das investigações policiais e com tão poucos dados, compreender e explicar o fenômeno não é tarefa fácil. Vejamos então algumas elucubrações que talvez ajudem a aclarar a questão:

De partida, desconsidero a opinião comum de que a violência ocorre em protesto contra supostos abusos no cárcere. Posto que a forte retomada do controle do sistema penitenciário paraense pelo Estado, a partir de 2019, trouxe sim nova ordem e rigorosa disciplina às casas penais, dentro da lei. Sob o permanente controle e com o assentimento das varas de execução penal.

Proponho outra perspectiva. Sabe-se que a atual onda de violência contra os operadores do sistema de segurança pública do Pará não é a primeira nem a mais intensa já registrada. Na série histórica, o ano de 2018 salta aos olhos com 29 policiais militares executados e mais 15 mortos em confronto. Nesse ano, cabe destacar, foram 666 mortes por intervenção policial e 587 homicídios com características de execução.

O sangrento ano de 2018 coincide, não à toa, com o ápice da disputa entre o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC) pelo controle do mercado de drogas ilícitas no Pará. Na guerra entre facções, o CV sagrou-se absoluto na RMB, relegando ao rival a magra atuação em alguns poucos municípios do sudoeste e do sudeste do estado. O projeto de hegemonia do CV ainda vigora e a rixa segue provocando baixas.

O auge da disputa entre as facções criminosas alimentou milícias e grupos de extermínio. Também ofertou prestígio social a justiceiros e heróis de farda. Em contrapartida, resultou em dezenas de policiais presos, vários excluídos e muitos assassinados. Ademais, quase toda a cúpula do CV do Pará acabou presa e se encontra agora custodiada nas casas penais do Estado ou em presídios federais.

Ao que parece, mais uma vez, a nova onda de violência guarda relação direta com as dinâmicas do mundo do crime e das pretensões do CV na Amazônia. Desta feita, suspeita-se, a facção cobiça parte da arrecadação das bancas do jogo do bicho, dos caça-níqueis e demais jogos de azar clandestinos, com o propósito de levantar recursos para o fortalecimento bélico e, finalmente, a conquista dos territórios em disputa.

Mas vale lembrar que as principais lideranças do CV local estão encarceradas. Levando isso em conta, cogito que a onda de violência tenha quiçá um duplo sentido, imbricado:

Por um lado, pode ser entendida enquanto fruto de iniciativas particulares (mas devidamente autorizadas) que buscam a afirmação das novas lideranças eventuais do CV regional, pretendentes da validação da atual posição de comando e da conquista da confiança junto às lideranças antigas, encarceradas.

Por outro, denota o espetáculo bestial de demonstração de força. Bravata aberta contra as organizações da segurança pública, mas que, em particular, manda também recado aos policiais corruptos que há muito prestam serviço à contravenção protegendo capi e executando desafetos, matando na ronda ou de modo velado.

Sem muita informação, cismo que, não por acaso, cessados os ataques contra os agentes, cresceram os homicídios com característica de execução no Estado. Desde o dia 18/5, foram ao menos oito mortes na última semana, sendo seis na RMB. Vendeta? Contra-ataque? Não sei dizer.

Felizmente, os atentados serenaram. As forças de segurança vão seguir com as ações de policiamento e de rastreio dos criminosos. Os agentes da segurança pública estão agora mais cautelosos e protegidos.

Este mês de maio se configura assim um ponto fora da curva. O enfrentamento à recente onda de violência, a bem dizer, representa um verdadeiro teste de fogo para o sistema de segurança pública do Pará, que por três anos consecutivos vem alcançando resultados consistentes na oferta de segurança à sociedade. E se a violência injustificada pode estar por trás das recentes mortes dos agentes estaduais, nada mais adequado e simbólico, portanto, para a continuidade dos bons resultados, do que denegar o olho por olho por meio da resposta qualificada, efetiva e legítima das forças policiais paraenses. No estrito limite da lei.

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