Segurança e justiça social são condições fundamentais para o desenvolvimento da Amazônia brasileira com a floresta em pé
O Brasil está de volta ao cenário global das discussões sobre o clima. O grande desafio do governo, agora, é compreender a urgência de estabelecer ações mais enérgicas no enfrentamento aos crimes ambientais
David Marques
Coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Aiala Colares Couto
Nascido no quilombo de Pitimandeua, no Pará, é geógrafo com doutorado em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental, professor da UEPA, onde coordena o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, e está vinculado à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros. Pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP28, ocorrida em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi encerrada no último dia 12. A Conferência foi um momento importante no qual quase 200 países discutiram a crise global do clima e buscaram entendimentos e medidas para reverter esse cenário. Agora, é possível fazermos alguns apontamentos sobre essa agenda temática para o Brasil e, mais especificamente, para a Amazônia.
Para nós, ficou evidente que o Brasil se recolocou no cenário global das discussões sobre o clima, na condição de protagonista no enfrentamento da crise ambiental. Especificamente, nos parece bastante acertado que o país venha a este palco com uma agenda positiva e propostas concretas acerca de mecanismos, como o Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS), que impliquem os países do Norte Global nos esforços de preservação do meio ambiente executados por países em desenvolvimento.
Um dos discursos da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante a COP é ilustrativo neste sentido: ao comentar a política de proteção ambiental solicitada a ela pelo presidente Lula, a Ministra ressaltou que a inovação do momento atual é introduzir centralmente a dimensão econômica e de cuidado com as pessoas que vivem na e da floresta. Este aspecto vai ao encontro de percepções e relatos que nossas pesquisas sobre segurança e justiça na região têm mostrado: a redução das vulnerabilidades das populações das florestas é uma questão urgente.
E há mais. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública participou de sua segunda COP e, para contribuir com as discussões, lançou, em parceria com o Instituto Mãe Crioula, o relatório Cartografias da violência na Amazônia, 2ª edição. Os principais dados da publicação foram apresentados por nós em Painel do Hub Amazônia, organizado em Dubai pelo Consórcio Interestadual da Amazônia Legal. O cenário, contudo, é preocupante.
Em 2022, a taxa média de violência letal nos estados da Amazônia Legal foi 45% superior à média brasileira. Além disso, intensificou-se o processo de sobreposição territorial entre ilegalidades ambientais e outros tipos de crimes, com destaque para o narcotráfico. Para ficar em um exemplo, mapeamos ao menos 22 facções criminosas atuando na região amazônica.
As dinâmicas e fluxos próprios das cadeias globais de valor que envolvem ilícitos associados ao narcotráfico, ao ouro, à madeira, a minerais diversos, à fauna e à flora local, têm impactos significativos no país e, em especial, na região amazônica e em seus povos.
Desde o processo de integração da Amazônia à economia nacional e global, a região vem sendo vítima de projetos desenvolvimentistas que vêm alterando drasticamente o bioma e comprometendo os modos de vidas dos povos da floresta. Os arranjos espaciais por meio de projetos de infraestrutura que abriram estradas e construíram hidrelétricas, organizaram as atividades de exploração mineral, também foram responsáveis por intensificar a exploração das atividades madeireiras e a grilagem de terras.
Toda essa dinâmica de produção capitalista do espaço regional foi responsável por promover o avanço do desmatamento, das queimadas, da redução da biodiversidade e dos conflitos fundiários. Povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos e camponeses pobres vivem em divergência com os interesses do capital representado pelo agronegócio, empresa mineradora, garimpeiros e madeireiros. É por esse caminho que a violência vai se firmando e se apresentando como uma das características da região amazônica. Podemos dizer que o Estado e o capital privado tiveram grande contribuição na construção das desigualdades e subalternidades presentes na região. Trata-se do resultado de um projeto de modernidade-desenvolvimentista que desconsiderou e invisibilizou as necessidades e potencialidades dos povos da floresta.
De qualquer forma, os dados sobre segurança pública na Amazônia deixam evidentes o quanto o crime organizado e crimes ambientais vêm caminhando juntos, e nos últimos anos a presença de facções criminosas tornou-se uma ameaça à segurança regional e ao bioma amazônico com suas populações. Não há como falar em segurança climática, transição energética e mercado de carbono sem antes refletir sobre os vetores de violência que tem relação com os projetos econômicos implementados de cima para baixo, saqueadores da riqueza e destruidores do ecossistema.
Os dados que compilamos e analisamos apontam, uma vez mais, que a garantia de segurança pública e justiça enquanto direitos fundamentais são condições basilares para o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira e de suas populações, com a floresta em pé. Embora o diagnóstico sobre o cenário da criminalidade seja preocupante, ele deve ser encarado de frente por atores estatais e não estatais para que medidas inovadoras na prevenção ao crime, à violência e aos crimes ambientais, que reforcem a articulação interinstitucional, possam ser desenvolvidas. Um bom exemplo é o caso do FFTS.
É preciso entender que se o Estado brasileiro continuar falhando neste aspecto da garantia de cidadania, será muito mais complexo alcançar os objetivos que estão sendo propostos perante o mundo e que estarão sob escrutínio durante a COP30, que ocorrerá em Belém, no Pará, no Brasil, em 2025.
O desafio do governo brasileiro deve buscar compreender a urgência em estabelecer ações mais enérgicas no enfretamento aos crimes ambientais. Antigos mecanismos de governança devem ser fortalecidos e novos devem ser criados, considerando as novas dinâmicas do crime, que sobrepõem delitos de ordem ambiental com outros da segurança pública. Por último, faz-se necessário pensar em novas possibilidades de renda e modelos econômicos sustentáveis, que precisam ser incentivados pelo Estado com vistas a garantir a segurança do ecossistema, enxergando os problemas da Amazônia não apenas como uma agenda do Brasil, mas também como uma questão de segurança planetária. Daí a grande importância de recuperar o prestígio brasileiro como um defensor da sociobiodiversidade amazônica, garantindo assim recursos internacionais para implementação de um padrão econômico sustentável.