Múltiplas Vozes 17/11/2022

Revogaço das Armas, Pigou e o Combate à Fome

Os governadores poderiam lançar mão do artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal para aumentar a alíquota de ICMS para armas e munições, cujos recursos seriam orientados para os Fundos de Combate à Pobreza (FUNCOP)

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Daniel Cerqueira

Diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves e membro do conselho do FBSP

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou recentemente um documento onde demonstrou que se não fosse a legislação armamentista do Governo Bolsonaro, mais de 6.000 vidas teriam sido poupadas até 2021. Neste estudo científico, os autores corroboram os resultados de inúmeras pesquisas internacionais e nacionais em que a maior difusão de armas de fogo tem um impacto para elevar crimes letais e tragédias, sem qualquer efeito dissuasório para fazer diminuir os crimes contra o patrimônio.

De fato, a aquisição de armas de fogo pelos indivíduos não apenas não contribui para a segurança pública, como gera o que os economistas chamam de “externalidades negativas”, que são efeitos colaterais adversos para a sociedade. Assim como uma fábrica que polui gera consequências nocivas para o meio-ambiente e para a saúde da população, a aquisição de armas de fogo por indivíduos faz aumentar a insegurança e a probabilidade de vitimização de todos, além de gerar custos públicos para o tratamento de saúde, entre outros. Um ponto importante da ineficiência econômica acarretada pela externalidade é que o custo com a perda de bem-estar não é internalizado no preço do produto para o comprador, mas é compartilhado por toda a sociedade.

Há duas formas de mitigar o problema descrito acima, que podem funcionar como remédios complementares: 1) restrição e controle responsável das armas de fogo por mecanismos legislativos, como o Estatuto do Desarmamento de 2003; e 2) imposição de um imposto pigoviano sobre armas e munições (o nome se deve ao economista Britânico Arthur Pigou), para corrigir a falha de mercado ocasionada pela externalidade, fazendo com que o gerador da externalidade pague por ela.

As duas medidas acima se prestam, principalmente, a atacar o fluxo das novas armas. Contudo, é necessário diminuir, concomitantemente, o estoque daquelas que já entraram em circulação. Com efeito, desde 2019 foi registrado mais de um milhão de novas armas pelos particulares, além de comercializadas mais de 994 milhões de munições, isso sem falar no aumento do potencial ofensivo das armas que entraram em circulação.

Como apontado, uma medida crucial é o retorno ao Estatuto do Desarmamento, com o “revogaço” total das mais de 40 medidas sobre armas e munições sancionadas desde 2019 pelo Governo Federal, sendo 17 decretos, além de portarias, instruções normativas e resoluções. Contudo, por si, tal medida não garante a diminuição do estoque, mas impede a escalada armamentista no Brasil.

Para diminuir o estoque é necessário adicionalmente impor incentivos adequados aos detentores das armas, para que estes entreguem as mesmas ao Estado. Por um lado, o próprio “revogaço”, ao colocar os proprietários de armas com prazos de registros vencidos em situação de ilegalidade, já impõe um alto custo para tais indivíduos permanecerem com tais artefatos, uma vez que esses estarão sujeito ao peso da Lei, incluindo possibilidade de prisão, caso sejam flagrados com armas de maior potencial ofensivo, por exemplo. Por outro lado, o Estado poderia garantir um incentivo financeiro para quem decidir devolver a sua arma, que não pode ir além de 20% do valor da mesma. Tal armamento, desde que esteja em bom estado e o modelo já faça parte do portfólio das forças de segurança, poderia ser destinado a essas organizações.

Como financiar essas ações sem impactar o orçamento público? Propomos a criação de um imposto pigoviano sobre armas e munição em dois planos, cujo efeito, como falamos anteriormente, além de desestimular a demanda futura serve para financiar a diminuição do estoque.

No plano federal poderia haver uma alíquota complementar ao IPI para financiar a devolução das armas. No plano estadual os governadores poderiam lançar mão do artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, para aumentar a alíquota de ICMS para armas e munições, cujos recursos seriam orientados para os Fundos de Combate à Pobreza (FUNCOP).

O “revogaço” junto com o imposto proposto aqui servem não apenas para mitigar o problema da violência armada no Brasil e suas consequências maléficas, mas para dar ao mundo uma importante mensagem política de que o Brasil voltou a caminhar na estrada do processo civilizatório, com menos armas, mais comida na mesa e dignidade para a população.

 

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