Múltiplas Vozes 08/02/2023

Retrato da segurança no Rio de Janeiro: um terço das mortes violentas decorre de ações policiais

Na gestão do atual governador Claudio Castro não só os números finais são assombrosos, mas as chacinas policiais (operações com três mortos ou mais) se tornaram uma marca de estilo da segurança pública

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Silvia Ramos

Pesquisadora da Rede de Observatórios de Segurança, um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)

Jonas Pacheco

Pesquisador da Rede de Observatórios de Segurança, um projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)

Os números divulgados pelo ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio de Janeiro sobre violência e criminalidade em 2022 revelam os resultados de políticas de segurança intencionais no estado. Nada menos do que 1.327 pessoas foram mortas em decorrência de ações das forças policiais. Considerando que a letalidade violenta (homicídios dolosos, mortes decorrentes de ação policial, roubo seguido de morte e lesão corporal seguida de morte) chegou a 4.473, isto significa que as mortes sob responsabilidade das polícias representam 29,7% de todas as mortes violentas. Em algumas áreas, como na Grande Niterói, a polícia foi responsável por 47,4% das mortes e na Baixada Fluminense a proporção é de 33,7%.

Esse padrão vem se mantendo ao longo de anos, mas na gestão do atual governador Claudio Castro não só os números finais são assombrosos, mas as chacinas policiais (operações com três mortos ou mais) se tornaram uma marca de estilo da segurança pública. As chacinas de Jacarezinho, Salgueiro e Vila Cruzeiro estão entre as cinco maiores da história do estado. Um detalhe importante no caso do Rio de Janeiro é que tanto a polícia militar como a civil “assinam” operações com alta letalidade, sendo que uma delas teve a participação declarada de tropas da Polícia Rodoviária Federal. As mortes decorrentes de ação da polícia ocorrem em favelas e em 87,3% dos casos as vítimas são negras, como mostrou o estudo Pele Alvo de Rede de Observatórios.

A despeito de algumas chacinas serem objeto de grande divulgação e provocarem indignação, a maioria das mortes pelas polícias ocorre silenciosamente, em bairros sem grupos locais com capacidade de vocalização e sem a presença de movimentos de mães que lutam pelo esclarecimento dos assassinatos de seus filhos. Existe um varejo da letalidade policial em locais longe do olhar da sociedade. Agentes sabem previamente que execuções extrajudiciais, acertos relacionados à corrupção, vinganças, negligências e erros não serão investigados. E dessa forma chegamos a mais de 1.300 mortes num ano.

Como vemos na lista das áreas mais atingidas pela violência policial letal, as mortes ocorrem predominantemente em favelas e áreas com pouca visibilidade.

Abaixo as áreas integradas em que a polícia matou mais de 50 pessoas em 2022:

Fonte: ISP

Em apenas duas das 41 áreas integradas de segurança existentes no estado, a polícia matou zero pessoas em 2022: Laje do Muriaé, Varre-Sai, Italva e em Miracema, Pádua. Este é mais um indicador de que, no caso das polícias fluminenses, a orientação de confronto e alta letalidade é generalizada. As polícias do Rio de Janeiro diferem das de Minas Gerais, estado vizinho, que em 2021 registrou 114 mortes decorrentes de ação policial; de São Paulo, que registrou 256 mortes por seus agentes em 2022, e da polícia do Espírito Santo, que totalizou 60 mortes de autoria das suas forças em 2022. As ações de segurança postas em prática no Rio de Janeiro vão de encontro à conjuntura e à orientação de segurança pública dos vizinhos do sudeste.

O caso do Rio de Janeiro é tão grave e persistente que o Supremo Tribunal Federal já devolveu dois “planos” do governo do RJ de redução da violência letal policial por não haver indicação de metas, ações e datas. Neste momento, o governo de Claudio Castro está elaborando outro programa para enviar ao Supremo.

“Produtividade policial”. Tais ações endossadas pelo governo fluminense se sustentam sob o discurso oficial de combate ao tráfico de drogas que consequentemente geraria uma segurança maior para a população. Contudo, não é o que se constata observando os dados do que se convencionou denominar de indicadores de produtividade policial. O Rio de Janeiro teve uma redução de aproximadamente 5% nos registros de apreensão de drogas e 9% nas apreensões de armas. Com isso, se tem um cenário de maior violência letal por parte das polícias, com um menor número na apreensão de drogas e armas. O argumento oficial de que tais ações são supostamente justificadas pelo combate ao tráfico de drogas é uma falácia de acordo com os próprios números produzidos pelas polícias.

Desigualdade territorial na promoção da segurança. Outros números que chocam e se combinam com a violência letal são as distâncias entre os crimes contra o patrimônio nas áreas mais abastadas do Rio em comparação com as áreas mais inseguras. A diferença de presença e eficiência de serviços de proteção e da cultura de crimes contra o patrimônio fica evidente quando comparamos, por exemplo, os roubos de veículos (crimes contra o patrimônio menos subnotificados) em algumas das áreas integradas. As desigualdades são abissais, mesmo considerando que as populações de cada região são distintas.

Fonte: ISP

Desaparecidos?  Em 2022 houve alterações preocupantes nos registros de desaparecidos e encontro de cadáver e ossadas. Tivemos 5.256 desaparecimentos e 487 encontros de cadáver e ossadas.

Os desaparecimentos de pessoas envolvem múltiplas dinâmicas (conflitos interpessoais, doenças e outros), mas não é possível ignorar que parte desses registros pode conter desaparecimentos forçados (mortes violentas sem o aparecimento do cadáver). E que o fenômeno está presente em áreas dominadas por milícias e grupos de extermínio, como a Baixada Fluminense.

No Rio de Janeiro não existe uma secretaria de segurança e, portanto, existe um vácuo de interesses em diversos temas sobre segurança pública. Os dados que apenas o governo detém (registros de ocorrência sobre desaparecimentos) são fontes preciosas e únicas para pesquisas, como as que o ISP conduziu no passado distante sob a coordenação do cientista social Gláucio Soares. O Rio precisa urgentemente de iniciativas que ajudem a compreender o que está acontecendo com a violência letal e a violência que envolve policiais no estado.

 

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