Resenha – “Armas de fogo no Brasil: gatilho da violência”
Livro do pesquisador Bruno Langeani demonstra que sistemas eficientes de registro e rastreabilidade de armas e munições deveriam ser do interesse de qualquer cidadão. Afinal, o direito de ter e portar armas não se choca com a necessidade de retirar de circulação armas ilegais
Roberta Astolfi
Mestre em ciência política e doutoranda em saúde coletiva pela USP. Consultora e associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Bruno Langeani, autor de “Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência” (Editora Telha, R$ 45), é uma das pessoas que mais entendem de políticas de armas de fogo no Brasil. O domínio do tema transparece em seu livro de estreia, em que informações importantes são transmitidas de forma clara e concisa, estruturando um texto apenas essencial.
O trecho “breve história…”, no primeiro capítulo, explica de forma generosamente simples (e em apenas quatro páginas!) a mecânica de funcionamento das armas de fogo e as mudanças introduzidas a cada grande salto tecnológico desde o século IX. Dados históricos e atuais sobre armas de fogo no país, incluindo a legislação, são apresentados também com sentido lógico bastante acessível.
Nos capítulos cinco e seis Langeani presta seu maior serviço ao público, ao destrinchar o mercado ilegal de armas, a estrutura de controle em vigor e as possibilidades de aperfeiçoamento. São esses os temas que o autor mais domina. Ele aponta caminhos a respeito dos quais não deveria haver controvérsia, não fosse a polarização ideológica tão aguda. Sistemas eficientes de registro e rastreabilidade de armas e munições deveriam ser do interesse de qualquer cidadão e cidadã. Afinal, o direito advogado por muitos de ter e portar armas não se choca com a necessidade de retirar de circulação armas ilegais, desviadas, de coibir o contrabando que alimenta o crime e de facilitar a investigação do uso criminal dos artefatos.
O autor é honesto em apresentar que a violência é um fenômeno causado pela interação de fatores complexos que abrange muito mais que o acesso a armas, numerando e discutindo brevemente os fatores causais mais conhecidos. O livro é menos potente quando se debruça sobre as evidências que associam mais armas em circulação a mais violência e prejuízo social. Essa limitação parece ser fruto da falta de espaço para desenvolver um tema particularmente difícil de explicar. Para quem conhece os estudos citados, a leitura flui fácil, mas é insuficiente e, para quem não conhece, faltam informações para a compreensão do debate. Por outro lado, a sistematização precária do conhecimento produzido no campo atrapalha a síntese que o que autor faz de forma tão eficiente no restante da obra.
O livro é assim apresentado: “Você já deve ter percebido que este não é um livro a favor de armas de fogo. Preciso adverti-lo também que este não é um livro contra as armas”. Infelizmente, as pessoas que se interessam pelo tema a ponto de ler um livro a respeito já estão, em geral, fechadas em sua própria posição ideológica, aderindo em bloco a respeito de qualquer aspecto a ser discutido – liberação total versus controle total. É uma pena, pois há muitos pontos em que os polos poderiam se encontrar se a temperatura emocional do debate baixasse alguns graus. Mas somos brasileiros e não desistimos: vou comprar mais uma dezena de exemplares pra distribuir de presente neste Natal.