Múltiplas Vozes 12/11/2025

Quem pensa nos policiais quando a Segurança Pública chega ao topo das preocupações?

Entre a escalada da criminalidade, o clamor popular e o uso político da pauta da segurança pública estão os policiais que, na prática, foram transformados em escudos humanos, incumbidos de enfrentar ameaças cotidianas à soberania estatal em territórios dominados por facções

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Juliana Lemes da Cruz

Doutora em Política Social (UFF), Cabo na PMMG e Presidente do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A preocupação dos brasileiros com a Segurança Pública atingiu, no último ano, o topo das inquietações nacionais. O dado, revelado por pesquisa Quaest semanas antes da megaoperação realizada nas comunidades do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, em 28 de outubro de 2025, expôs a urgência e a magnitude do problema. O episódio escancarou a necessidade de respostas concretas diante do que se desenha como uma das maiores crises da história recente do país.

Em 2024, a pauta da Segurança Pública já havia dominado o debate das eleições municipais, ganhando ainda mais centralidade desde então. Tudo indica que o tema voltará ao centro da disputa eleitoral de 2026, mobilizando discursos marcados pela polarização político-partidária e ideológica — uma dinâmica que tem contaminado as relações sociais em praticamente todas as esferas.

Nesse cenário de forças opostas, a população se vê duplamente encurralada: de um lado, refém da ação de criminosos que dominam territórios e impõem medo às comunidades; de outro, submetida à inação do Estado, incapaz de conter o avanço do crime organizado e de oferecer respostas eficazes à escalada da violência.

Na edição mais recente do Fonte Segura, o professor Arthur Trindade analisou com clareza o atual panorama da Segurança Pública no Brasil, alertando para a dimensão do desafio enfrentado pelos tomadores de decisão. Ele destacou exemplos internacionais e suas lacunas — o caso da reforma urbana na Colômbia, a criação da Guarda Nacional no México e o regime de exceção em El Salvador.

No Brasil, a persistência da criminalidade e a dificuldade de enfrentamento, somadas à ausência de um Ministério específico para a área, revelam o “não lugar” da Segurança Pública como política estruturante do Estado brasileiro. Esse modelo de condução, inclusive, pode estar contribuindo para o desgaste em torno da tramitação da PEC da Segurança, promessa que ainda não se converteu em avanço concreto para o setor.

No centro desse cenário — entre a escalada da criminalidade, o clamor popular e o uso político da pauta — estão os policiais, especialmente os das corporações militar e civil. Na prática, têm sido transformados em “escudos humanos”, incumbidos de enfrentar ameaças cotidianas à soberania estatal em territórios dominados por facções.

Geralmente, as implicações políticas e jurídicas das decisões tomadas por atores públicos nos diversos níveis de autoridade são conhecidas, exploradas e revisitadas. Destacam-se o alcance das prisões, apreensões, letalidade policial, vitimização e os impactos objetivos diretamente relacionados.  No entanto, pouco ou nada se discute sobre as implicações laborais e psíquicas do cumprimento daquelas decisões refletidas no conjunto dos policiais militares e civis atuantes na ponta.

A designação de um policial formado há 40 dias em uma operação de risco calculado não deve ser entendida como um caso isolado. Isso sinaliza a inobservância de requisitos básicos por parte de atores demandantes que, em regra, dispõem de experiência suficiente para evitar a exposição de policiais pouco experimentados em determinadas missões. Mas quem pensa nisso?

Poucos refletem sobre o fato de que a exposição contínua ao perigo — inerente à função policial — tem provocado o adoecimento crescente desses profissionais. Quanto mais urgente a demanda por respostas, mais exaustivo se torna o trabalho operacional. Essa realidade, por sua vez, compromete a qualidade do serviço prestado, embora raramente se reconheça essa relação.

Dentre as camadas do adoecimento que se processa intramuros das instituições, destaca-se o Transtorno de Estresse Pós Traumático, o TEPT, que chega a demandar a retirada do agente do exercício da atividade-fim, tamanho pode ser o impacto das operações policiais. Por mais que haja treinamento e conformação da realidade das ruas de forma clara e objetiva para o coletivo, a elaboração do que se vivencia remete ao indivíduo em particular.

Na megaoperação do Rio houve quatro óbitos de policiais – dois civis e dois militares -, e mais de uma dezena de feridos, alguns em estado gravíssimo.

Na esteira dessa dinâmica, o sucateamento da estrutura das organizações, a limitação logística (armamento, equipamento, viaturas, câmeras corporais…), e a limitação física (estrutura das edificações/espaços – para treinamento, formação e acolhimento) são elementos que refletem a falta de investimento na polícia.

Em tempos nos quais o crime organizado faz uso de tecnologia e de inteligência para enfrentar o Estado, o investimento nas forças policiais deveria ser prioridade. Garantir a integridade física e psíquica dos profissionais da linha de frente é, portanto, condição indispensável para qualquer tentativa séria de reconstrução da política de Segurança Pública no Brasil.

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