Carla Campos Avanzi
Doutoranda em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e doutoranda em Criminologia pela Vrije Universiteit Brussel. Integrante do Laboratório de Estudos sobre a Governança da Segurança (LEGS/UEL) e do Crime & Society Research Group (CRiS)
No dia 19 de março, uma declaração do atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, gerou controvérsias. Tendo criticado a falta de integração entre as polícias no país e a atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado, Lira disse que “ninguém quer trocar tiro com bandido, o cara (a PF) quer tocar ação que dê mídia, que não tenha resistência e que não faça força”.
Nos últimos anos a Polícia Federal tem se destacado pela ênfase nas estratégias de comunicação através dos seus diversos canais oficiais, como o site institucional, YouTube, coletivas de imprensa e especialmente nas mídias sociais, como Instagram, Facebook e Twitter.
Em pesquisa sobre as estratégias utilizadas pela Polícia Federal em suas mídias sociais (Avanzi, 2021), verificou-se que a comunicação utilizada se diferenciava das tradicionais prestações de contas ou combate aos criminosos, por anos exploradas pela mídia nos jornais denominados “pinga-sangue”, que contavam com ampla participação das forças policiais. O novo formato de comunicação da Polícia Federal adota ferramentas diferenciadas para manutenção de seguidores, como, por exemplo, dispositivos emocionais e frases motivacionais para aumento de engajamento.
A comunicação da Polícia Federal nos últimos anos distanciou-se do que se denomina por pânico moral em suas redes, para adotar o que se pode descrever como uma postura positiva, nos termos propostos por Han (2015), estratégia que tende a diminuir ou ocultar conflitos.
As publicações sobre as atividades nos canais de comunicação são ferramentas importantes utilizadas pelas instituições policiais para angariar seguidores e manter o apoio popular, e acabam por refletir também em maior capacidade de negociação política. As megaoperações com nomes instigantes, que mobilizam a mídia, também são exemplos desse esforço. Se a mídia é um importante instrumento para reforço de legitimidade, a comunicação policial merece atenção especial, com definição de regras e prioridades próprias que nem sempre são as tradicionalmente utilizadas pelas polícias.
A figura do policial ostensivo, já calejada pelos escândalos e por uma incompreensão por parte da população sobre as atribuições e características das diferentes polícias no Brasil, colocando muitas vezes todas juntas no imaginário popular, já não é suficiente para reter a atenção e admiração, como acontecia nos jornais policiais por muitos anos. O desgaste da midiatização do elemento simbólico de ostensividade culmina na necessidade de adaptação por parte das polícias.
A declaração de Lira vai ao encontro desse posicionamento, acompanhando, em certa medida, a postura que já vinha sendo utilizada pela instituição. No entanto, o anseio por operações midiáticas não exclui a definição de outras prioridades institucionais de combate ao crime pela Polícia Federal. A comunicação é um dos pilares da instituição, mas não é o único.
A adoção de estratégias de comunicação com ações midiáticas compreende apenas um aspecto dentro da ampla gama de atuação da Polícia Federal, com outras atividades que muitas vezes não são divulgadas na mídia. A Polícia Federal tem importantes atribuições, para além do combate ao crime, como regulamentação e fiscalização de migração, armas, produtos químicos e segurança privada, que muitas vezes não são midiatizados, mas nem por isso deixam de ser realizados.
A crítica não repousa em como as polícias se comunicam, mas na definição de prioridades institucionais e em que medida isso é ditado pelo que é midiático. O combate ao crime organizado, ainda que não figure como destaque nas publicações, deve ter forte atuação policial.
O ponto central é que novas relações entre a mídia e as polícias estão se estabelecendo, especialmente após a Operação Lava Jato, em que ocorreu a ampla exposição e mobilização da mídia pelos próprios atores envolvidos na persecução penal.
A relação que se estabelecia com os antigos jornais sensacionalistas, do tradicional policial ostensivo dando sua versão sobre o crime ou criminoso, já não funciona mais, especialmente para as polícias de âmbito federal, como a PF. Novos padrões foram estabelecidos, ditados também por um novo público que está presente principalmente nas mídias sociais e canais online. Surge a necessidade de adaptação por parte das policiais, com a configuração de novas relações de poder e de troca entre as duas instituições, policiais e midiáticas.