Múltiplas Vozes

Problemas da investigação de homicídios no Brasil

Além da falta de policiais, a precariedade das perícias também afeta a capacidade dos investigadores juntarem aos processos provas técnicas, mais robustas e bem aceitas nos tribunais

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Arthur Trindade M. Costa

Professor da Universidade de Brasília e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Investigar e elucidar homicídios é uma das principais estratégias para reduzir homicídios. Apesar do registro de altas taxas de mortes violentas intencionais, na maior parte dos estados brasileiros a investigação é precária. Nesses estados, a maior parte desse tipo de crime segue sem elucidação.

O quadro geral é preocupante, mas pode ser melhorado. Foi o que aconteceu em alguns países que realizaram reformas a fim de melhorar o desempenho das unidades policiais encarregadas da investigação de homicídios. Em alguns casos, passou-se a investir maiores recursos para melhorar os órgãos de perícia, num esforço de priorizar as provas técnicas em detrimento das provas testemunhais. Noutros casos, foram tomadas medidas para melhorar o treinamento dos policiais e aumentar a coordenação das ações de todo pessoal envolvido na investigação. Os resultados são animadores. Em 2018, alguns países apresentaram taxas elevadas de elucidação de homicídios, como Alemanha (94%), Japão (95%), Reino Unido (79%), Canadá (84%) e EUA (59%).

No Brasil ainda não é possível determinar a taxa de elucidação de homicídios, uma vez que não existe um sistema nacional de indicadores que permita mensurar o desempenho da investigação criminal. Segundo o relatório Onde Mora a Impunidade, elaborado pelo Instituto Sou da Paz, em 2019 apenas 12 estados dispunham dados sobre elucidação de homicídios registrados em 2016. O estudo mostra que há uma grande disparidade no desempenho das polícias. Enquanto MS, SC e DF registraram taxas de elucidação acima de 80%, outros estados, como PR e RJ, elucidaram menos de 15% dos homicídios.

Há pelo menos três perspectivas para explicar a variação nas taxas de elucidação. A primeira sugere que a discricionariedade da polícia tem efeitos significativos nos casos que serão priorizados na investigação. Alguns aspectos demográficos (raça, sexo e idade) e local de moradia impactam as taxas de elucidação. A segunda perspectiva sugere que os aspectos situacionais, relacionados ao contexto e às circunstâncias dos homicídios, independente do perfil das vítimas, têm grande impacto sobre as taxas de elucidação de homicídios. Finalmente, uma terceira perspectiva destaca o papel da estrutura e organização policial, bem como a relação das polícias com suas respectivas comunidades afeta significativamente o desempenho da investigação de homicídios. As três perspectivas não são excludentes, mas sim concorrentes. Ou seja, o desempenho da investigação de homicídios depende de aspectos demográficos, situacionais e organizacionais.

No Brasil, de forma geral, nos bairros pobres com grande número de homicídios, as delegacias de polícia (quando existem) funcionam em condições precárias. Elas não possuem efetivo policial suficiente para investigar os crimes e tampouco dispõem de viaturas e instalações adequadas. Os investigadores dificilmente contam com apoio para desenvolver as atividades de busca de informações. Neste cenário, os inquéritos de homicídios concluídos e enviados ao Ministério Público são aqueles cujos agressores foram identificados e capturados em flagrante pela população ou pelos policiais militares.

Além da falta de policiais, a precariedade das perícias também afeta a capacidade dos investigadores juntarem aos processos provas técnicas, mais robustas e bem aceitas nos tribunais. Assim, as investigações, quando ocorrem, baseiam-se fundamentalmente nos depoimentos de testemunhas. E, mesmo nos casos com muitas testemunhas, frequentemente impera a lei do silêncio. Assim, mesmo nos casos em que foi possível identificar o agressor, a produção de provas testemunhais e técnicas é uma raridade.

Isso acontece por dois motivos. Primeiro, muitos crimes estão relacionados à atuação de facções e gangues. A percepção de não poder contar com a proteção da polícia faz com que as testemunhas se calem. Segundo, a falta de confiança nas polícias, seja por um histórico de violências ou extorsões, torna a busca de informações mais difícil ainda.

De forma geral, o treinamento dos investigadores é bastante precário. O currículo das Academias de Polícia não contempla satisfatoriamente os conhecimentos necessários à investigação criminal. São raros os cursos específicos sobre perícia e técnicas de interrogatório. Há poucos incentivos institucionais para o aperfeiçoamento dos investigadores. Assim, os saberes relacionados à investigação de homicídios são transmitidos aos novatos pelos policiais mais experientes.

A articulação entre os diferentes profissionais envolvidos na investigação é pequena. Em geral, investigadores, peritos, delegados e promotores não articulam e coordenam suas ações. De forma que a investigação se torna uma verdadeira babel, em que diferentes atores sobrepõem seus relatos e interpretações sobre o crime e seus autores. Frequentemente, mesmo nos casos em que foi possível determinar a autoria do crime, o processo criminal não resulta em prisão, seja por falta de provas, seja por diferentes interpretações de delegados e promotores, ou porque o agressor fugiu.

Apesar do quadro caótico, há boas iniciativas de reestruturação da investigação de homicídios no Brasil. Visando aumentar a rapidez e integração e coordenação dos trabalhos de investigação, alguns estados (SP, RJ, PE, MG, ES) criaram delegacias especializadas em investigação de homicídios. Em geral, essas delegacias contam com maiores efetivos, destinados especificamente às atividades relacionadas à elucidação de homicídios. Os efetivos são divididos em equipes que atuam em áreas específicas.  Em algumas dessas delegacias, as equipes encarregadas de investigar o local do crime contam com a participação de peritos.

Os estudos sugerem que o desempenho destas delegacias especializadas em homicídios é bem superior ao das delegacias generalistas. As investigações se iniciam com maior rapidez, há policiais suficientes para coletas informações junto à população, bem como a coleta de evidências é feita conjuntamente com os outros trabalhos de investigação.

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