Luis Flavio Sapori
Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública
A eleição presidencial deste ano é marcada por uma polarização político-ideológica que se não se observava no Brasil há muito tempo. A priori isso não constitui um problema, seja do ponto de vista da democracia ou mesmo da segurança pública. Divergências quanto a valores morais e crenças políticas são salutares, evidenciam a pluralidade da vida moderna. O conflito e confronto dessas divergências são inerentes à dinâmica da democracia, pressupondo-se que acontecerão através de meios pacíficos. A violência não faz parte das regras do jogo, pelo menos como o concebemos nos últimos duzentos anos.
Temos motivos, contudo, para destacar os riscos da conjuntura política nacional. Ânimos exaltados, discussões apaixonadas e desdobramentos em agressões físicas e eventuais assassinatos compõem o atual cenário. Não é casual que 67% dos eleitores brasileiros tenham medo de serem agredidos fisicamente por sua escolha política ou partidária, conforme pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Raps ao Datafolha. E não há como negar que os principais perpetradores dessa violência são defensores ou militantes do bolsonarismo. Trata-se de um fato.
Considerando essa realidade, muito se especula sobre eventual crescimento da abstenção do eleitorado. Dado que o medo passou a compor os parâmetros decisórios de parte expressiva dos eleitores, não se arriscar a ser vítima da violência, mediante o não deslocamento até o local de votação, torna-se alternativa racional do curso de ação. Não temos condições de afirmar em que medida isso vai acontecer. Por enquanto, estamos lidando com a probabilidade da ocorrência de um fenômeno social.
É possível reduzir essa probabilidade de abstenção mediante a atenuação do medo da violência. Para tanto, é fundamental que os governos estaduais, através das respectivas secretarias de segurança pública, tornem públicos seus planos de segurança para o dia de votação. Aliás, antes de tudo, esses planos devem ser elaborados. A atual conjuntura política, conforme já salientado, é delicada e assim deve ser compreendida pelas autoridades estaduais da segurança pública. Não se pode fazer o que sempre foi feito, simplesmente repetindo protocolos adotados em pleitos eleitorais anteriores.
Bom exemplo nesse sentido é o esquema de segurança anunciado parcialmente pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). Definiram um protocolo de ações integradas para garantir que o processo eleitoral ocorra sem transtornos, o que inclui intervenções no trânsito, policiamento reforçado e a restrição do acesso à Esplanada dos Ministérios. Será emitida uma lista de itens proibidos para acesso ao local, como objetos cortantes, fogos de artifício e hastes de bandeiras. Os demais estados brasileiros devem fazer o mesmo, considerando as especificidades das realidades locais. Algumas medidas restritivas convencionais são inevitáveis, e devem ser reforçadas, como a proibição do comércio de bebidas alcoólicas e o consumo delas em espaços públicos. Seria adequado também reforçar o patrulhamento ostensivo das vias públicas no dia da votação, garantindo o máximo possível de visibilidade das forças policiais. Não se deve descartar também a possibilidade da realização de blitze focadas na apreensão de armas de fogo. Bebida alcoólica e arma de fogo constituem mistura explosiva em contextos sociais muito conflituosos, merecendo assim repressão qualificada mais incisiva.
A despeito da relevância desses planos de segurança, não há motivo para pânico. Não estamos à beira de um cenário hobbesiano no qual bolsonaristas e petistas se digladiariam nas ruas. O risco de violência ao qual nos referimos nesse artigo não chega a tal ponto. Eis, inclusive, um potencializador do medo do eleitorado a ser devidamente mitigado. E os principais meios de comunicação de massa do país podem colaborar evitando a cobertura sensacionalista de casos pontuais de violência. O medo das pessoas é muito impactado pelo que leem nas redes sociais, o que ouvem nas emissoras de rádio e o que veem na televisão. A cobertura jornalística sensata e equilibrada de eventuais casos de violência política que venham a ocorrer até o dia da votação é muito importante.
Finalizo ressaltando o momento histórico que vivencia a sociedade brasileira. Após trinta anos da promulgação da Constituição Cidadã, nos encontramos diante da tarefa de reafirmar a democracia. Essa instituição política é recheada de defeitos e efeitos colaterais, sendo, porém, a mais adequada para lidar com sociedades plurais em valores, crenças e interesses. A democracia é uma conquista da humanidade, mas sua longevidade depende da constante reafirmação da legitimidade das regras que a conformam. Viva a democracia !