Múltiplas Vozes 22/03/2023

POR QUE PRECISAMOS VOLTAR A FALAR DE DIREITOS HUMANOS?

Relatório da ONU aponta que 1323 defensores e defensoras de direito foram assassinadas em todo o mundo entre 2015 e 2019, sendo que 166 eram mulheres e 174 eram brasileiras e brasileiros, colocando o Brasil em segundo lugar no número de assassinatos

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Cristiane do Socorro Loureiro Lima

Doutora em Ciências Sociais pela UFRN, Oficial RR da PM/PA e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

No cenário ocidental dos Direitos Humanos, o ano de 1789 é um marco, com a publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirmando, no artigo 1°, que “todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. Na sua sequência, em 10 de dezembro de 1948 é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que traz sua concepção contemporânea, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos, sendo dois instrumentos internacionais fundamentais para o processo de lutas por direitos humanos.

A partir da aprovação da Declaração Universal de 1948, começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção desses direitos fundamentais.

Em 1993 ocorre a Convenção Mundial de Viena, que reforça a característica indivisível dos direitos humanos e reitera a concepção da Declaração de 1948 quando, em seu artigo 5°, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados”.

Porém, promulgar uma lei não garante sua execução e a luta por direitos humanos é uma luta diária para grande parte da população mundial ainda hoje, em pleno século XXI.

No Brasil, conforme Pinheiro e Mesquita Neto (s/d, p.01), “[…] as primeiras comissões de direitos humanos foram fundadas a partir dos anos 1970 e chamaram a atenção para a tortura e assassinatos de dissidentes e presos políticos, fazendo revelar as condições gritantes das prisões brasileiras”.

Agravado a isso, o caso brasileiro traz o tratamento da questão social como “caso de polícia”, corroborando para que ocorresse uma distorção do conceito de Direitos Humanos e sua associação à “defesa de bandidos”, que é realizada até o presente dia por programas policialescos, políticos da extrema-direita, entre outros grupos, quando intencionam criticar organizações e defensores de Direitos Humanos.

Essa crítica em geral também faz uma dissociação dos Direitos Humanos, dos Direitos Sociais, dos Direitos das Mulheres, dos Povos Originários, dos movimentos antirracistas e do movimento LGBTIQA+, entre tantos outros direitos e lutas por reconhecimento e por emancipação que decorrem no Brasil e no mundo.

Não à toa, no Brasil defender Direitos Humanos é uma atitude de risco, pois, segundo “o relatório de 2021 da relatora especial da ONU entre 2015 e 2019, 1323 defensores e defensoras de direito foram assassinadas em todo o mundo, sendo que 166 eram mulheres e 174 eram brasileiras e brasileiros, colocando o Brasil em segundo lugar com maior número de assassinatos”[1].

É válido lembrar que os estudos sobre ação policial remontam à década de 90 do século XX, motivados pelos graves casos de violência policial com grande repercussão midiática, como Carandiru (SP) em 1992, Vigário Geral (RJ) em 1993, Corumbiara (RR) em 1995, Eldorado dos Carajás (PA) em 1996 e Diadema (SP) em 1997, pois representaram uma face mais violenta do Estado Brasileiro através das violações de direitos humanos cometidas pelos policiais.

Deste período, muitos projetos, pesquisas, estudos foram desenvolvidos para mudar a relação entre policiais e direitos humanos, buscando cada vez mais que a ação policial representasse segurança e não violência e que a força fosse empregada no limite do estrito cumprimento do dever legal e ético, visando sempre defender e proteger a vida.

A obrigatoriedade da disciplina Direitos Humanos nos currículos de formação policial foi um primeiro passo importante, sendo depois discutidas e acrescidas as discussões sobre a transversalidade dos direitos humanos nos currículos e os eixos da Matriz Curricular Nacional para Ações Formativas dos Profissionais de Segurança Pública (2014) representaram um grande avanço, porém ainda é válido perguntar: quais impactos essas mudanças tiveram efetivamente nas práticas policiais? Como incorporar direitos na organização policial, nas rotinas administrativas? Por que tantas pessoas podem morrer em uma ação policial como no caso do Jacarezinho (2021)? Por que tantos policiais morrem em folga do serviço?

Na pesquisa doutoral de minha autoria, em 2009 os (as) policiais diziam se sentir desvalorizados (as) na sua dimensão de humanidade, situação que perdura nos dias atuais, tanto que na nova pesquisa que desenvolvo emerge com potência a demanda por uma política nas organizações policiais que olhem para os direitos humanos dos (as) seus (suas) integrantes, e quando demandam por isso mostram saber que direitos humanos abrangem diversas dimensões da existência, como moradia, saúde (física e mental), garantias laborais, folga, respeito por pares e superiores, direitos religiosos, ou seja, nem tudo está perdido, mas muito ainda precisa ser trilhado, sendo assim urge que se volte a falar de direitos humanos nas instituições policiais pela sua dimensão ética, política e valorativa, pela vida das pessoas, pela vida dos(as) policiais, pela vida…

[1] https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/observatorio-parlamentar-verifica-evolucao-de-protecao-a-defensoras-e-defensores-de-direitos-humanos-no-brasil, acesso em 06 mar 2023.

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