Profissão Polícia 21/09/2022

Políticas de Segurança Pública e perspectivas: entre a esperança e a realidade

O policiamento por evidências consiste na identificação das causas da criminalidade, envolvimento de diversos agentes do Estado e da Sociedade Civil, atendimento integrado e ações focadas na prevenção e na intervenção emergencial

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Gilvan Gomes da Silva

Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O 16º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública me trouxe o reforço da esperança em termos uma Segurança Pública fundamentada nos Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, a reflexão que o processo de mudança é longo e está sendo realizado cotidianamente, nas microrrelações, e que são necessárias outras formas de fomento de mudanças. Há mudanças importantes acontecendo na Segurança Pública na direção da construção da cidadania, respeito ao Estado Democrático de direito e na profissionalização plena do setor. Todavia, não da forma esperada e muito menos na velocidade necessária. Não há dúvida de que o campo ainda está em formação/transição. A mesa sobre Policiamento por evidências do Encontro do FBSP foi um retrato dessas relações em todos os elementos da composição do que está acontecendo. Um conjunto de “intenções” com o mesmo objetivo, envolvendo acadêmicos-policiais.

O que para qualquer outro campo profissional parece ser o princípio, na Segurança Pública ainda é uma proposta. Isso descortina que o policiamento ainda é orientado pela tradição, não sendo uma prática socializada entre todos do campo. No Distrito Federal, por exemplo, em mais de duas décadas, podemos destacar três programas implementados. Resumidamente, quase de forma caricata, o programa Tolerância Zero tinha como proposta intensificar o policiamento; já o Policiamento Comunitário tinha como objetivo mudar a doutrina de policiamento e as relações/percepções entre policiais e comunidade atendida; com o Programa Pacto Pela Vida houve o policiamento planejado por índices, relacionando causa e efeitos de crimes e intervindo para diminuição dos índices. A dinâmica de propostas caminha para um policiamento orientado pelas evidências, fundamentado pela ciência e pela política de respeito aos direitos humanos.

Nessa perspectiva macro, de cima para baixo, o processo começou pela tradição, posteriormente com o reforço dos valores, e não aumentou a sensação de segurança. A tentativa de mudança de doutrina, por diversos fatores, desde erros de implementação à execução, promoveu resistências dos agentes e insucesso da política. A política, objetivando redução de índice, necessita de diversos ajustes, mas a lógica foi institucionalizada e, mesmo com diversas mudanças na gestão da Secretaria de Segurança Pública e do Governo do Distrito Federal, o método de planejamento continua. Outra política pode ser implementada, mas incorporará a lógica de redução de índice, pois a sensação de segurança é, também, afetada pela percepção dos índices.

Mas a mudança também acontece nas “microrrelações”, de baixo para cima, e vem pela sensibilidade e ação de alguns agentes de segurança. Por exemplo: há as diversas intervenções para a diminuição da violência doméstica e do feminicídio no Brasil. A sociedade civil, dos movimentos sociais e da academia tornou o ato um “dado visível” e contribuiu com a tipificação qualificadora do assassinato. Mas a sensibilidade ao tema também era presente em alguns agentes de segurança. A implementação das intervenções da PMBA pode ser um exemplo.

Uma oficial policial militar da instituição conheceu o programa Patrulha Maria da Penha desenvolvido pela Brigada Militar no Rio Grande do Sul. Interessou-se pelo projeto e conseguiu implementar em Salvador. A Major Denice apresentou todo o processo de implementação em vários momentos, entre eles o 10º Encontro do FBSP em 2016. Pude testemunhar a fala sobre as dificuldades iniciais: pouco efetivo e recurso, resistência de alguns policiais fundamentada na cultura institucional, por exemplo. O projeto consolidou-se, recebeu apoio institucional pelos resultados, tanto na redução das violências domésticas quanto resultados políticos e sociais. O programa implementado na Bahia envolve um Comitê de Governança, instituído pelo Decreto 16.303 de 2015, concretizando a parceria entre Ministério Público, Tribunal de Justiça, Polícia Civil, entre outros. O atendimento envolve equipe multidisciplinar e articula diversos serviços públicos e instituições.

Há projetos semelhantes em outras unidades federativas, como no Distrito Federal, com a rede de serviços estabelecidos e atendimento com diversos agentes. A Casa 18 de Maio presta o serviço integral, há delegacias especializadas para o atendimento à mulher, e há o atendimento preventivo e de intervenção emergencial especializado da PMDF. De alguma forma, seja pelos encontros acadêmicos e profissionais realizados, seja pelas redes de conhecimentos interpessoais, os métodos de trabalho difundem e alteram capilarmente o modo de trabalho, conduzindo para escolhas de soluções mais racionais dos recursos, fundamentadas cientificamente.

Eis o policiamento por evidências implementado. Há a identificação das causas da criminalidade, o envolvimento de diversos agentes do Estado e da Sociedade Civil, atendimento integrado e o policiamento focado na prevenção e na intervenção emergencial. Como disse inicialmente, a mesa de debate sobre policiamento por evidência representava muito sobre as políticas de segurança pública no Brasil. Nesse toar, há um processo de construção de políticas incorporando a ciência, provocado pela formação dos agentes de segurança pública em outros espaços fora das instituições de origem, pela atuação dos movimentos sociais e pelas pesquisas e debates das Universidades e Fóruns de debates. Da mesma forma, agentes vocacionados promovem experiências que se consolidam, socializam valores nas unidades locais e, mesmos que a experiências não avancem, provocam “aberturas e fissuras” nas instituições para futuras mudanças.

Assim, há esperança para ter uma Segurança Pública fundamentada nos direitos humanos. Mas também há um ceticismo porque a dinâmica racional pode ser interrompida por questões políticas partidárias e a dependência de parte do processo por agentes vocacionados escamoteia as relações de poderes dentro das instituições que sufocam várias outras iniciativas. São paradoxais as sensações após o Encontro do FBSP, mas é um ponto de partida para agentes de segurança pública e acadêmicos.

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