Segurança no Mundo 23/08/2023

Política Prisional e Assassinatos Políticos no Equador

Novo presidente do Equador não dependerá de "soluções" repressivas, abusivas ou corruptas de curto prazo. Em vez disso, deverá confrontar e desmantelar os sistemas de poder - os pactos ilícitos-políticos - que perpetuam a violência vista hoje

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John Henry Murdy

Doutorando em Ciência Política na Universidade de Chicago (EUA), que tem estudado o sistema carcerário no Equador

Na noite de 9 de agosto, em um dos bairros mais ricos de Quito, três tiros mataram o candidato presidencial equatoriano Fernando Villavicencio. Supostos grupos criminosos logo se manifestaram nas redes sociais, envolvendo-se em um absurdo jogo de atribuição política, alguns desses grupos reivindicando e outros refutando a responsabilidade pela morte em vídeos assustadores que imitavam conferências de imprensa oficiais. O presidente Guillermo Lasso decretou estado de emergência em todo o país e enviou 3.600 policiais e soldados para transferir o “Fito”, líder no país do previamente hegemônico grupo criminoso Los Choneros, para uma prisão de segurança máxima. Mas as ações de Lasso não interromperam os ataques. Estefany Puente, candidata à Assembleia Nacional pela coalizão indígena Pachakutik, foi baleada em Los Ríos com balas menos letais em uma tentativa de intimidá-la. Pouco depois, em 14 de agosto, o candidato correísta Pedro Briones foi baleado em Esmeraldas – a província com a maior taxa de homicídios do país, onde poderosos grupos criminosos continuam a lutar pelo controle das rotas de tráfico.

A violência crescente se estende por quase todo o país. Após uma década de relativa paz, os homicídios em todo o Equador aumentaram de forma significativa a partir de 2021, para uma média de 26,79 homicídios a cada 100 mil habitantes no ano passado. A província portuária de Esmeraldas tem taxas de morte incompreensivelmente altas, com 78,96 mortes por 100 mil habitantes, de acordo com os dados mais recentes do INECrivalizando com o estado mais violento do México, Colima, que sofre com uma taxa de 110 homicídios a cada 100 mil habitantes após décadas de políticas repressivas fracassadas. Como o Equador chegou a esse nível de violência em um período tão curto? Uma série de políticas estatais contraproducentes inadvertidamente criou gangues poderosas baseadas em prisões, preparando o terreno para os problemas atuais. Em seguida, a morte do líder de gangue mais poderoso em 2020 e o subsequente vácuo de poder explodiram a situação precária, levando a assassinatos que desde então atingiram os mais altos níveis da política equatoriana.

Um grande contribuinte para a incapacidade do estado equatoriano de controlar a violência tem sido o aumento do poder das gangues nas prisões. De 2000 a 2010, a população prisional equatoriana ficou entre 8 mil e 12 mil presos. Depois disso, o então presidente Correa impôs uma série de diretrizes de sentenças de prisão rigorosas, que quase triplicaram os números de encarceramento e levaram a superlotação maciça. Em 2017, o novo presidente Lenin Moreno piorou a situação ao aprovar uma série de medidas de austeridade que reduziram em 70% os orçamentos das prisões e eliminaram o Ministério da Justiça, que supervisionava o sistema prisional. Uma incrível entrevista com um guarda na prisão mais violenta do país explica o efeito desses cortes orçamentários, relatando que cada oficial de segurança é esperado para monitorar 800 detentos ao mesmo tempo.

Sob condições tão impossíveis, os guardas fazem acordos para permitir certo nível de controle dos detentos em troca de manter alguma ordem. Esses acordos têm uma longa história no Equador. Nos anos 2000, comitês eleitos não-oficiais de detentos controlavam as prisões, mantendo o controle sobre a população carcerária em troca de autonomia significativa. No entanto, as iniciativas de modernização de Correa e as novas prisões massivas inauguradas em 2014 mudaram essa dinâmica. Os acordos anteriores que permitiam microempreendedorismo, personalização de celas e governança por comitê dentro das prisões foram encerrados. Em vez disso, argumenta-se que agentes de inteligência policial cederam poder a elites do narcotráfico na forma de pequenos acordos para mercadorias contrabandeadas ou maior autonomia sobre alas de celas. Em troca, a polícia recebe informações sobre gangues rivais, o que lhes permite fazer prisões populares e amplamente divulgadas.

Como exatamente esses acordos de inteligência levaram à dominação absoluta de gangues nos sistemas prisionais encontrada hoje no Equador permanece obscuro, mas o resultado é evidente. Operações recentes revelaram fazendas de porcos e tilápias dentro dos muros da prisão. A conta no Twitter do presidente divulgou o logotipo e o slogan de um dos maiores grupos criminosos, pintados na parede de sua ala. Imagens vazadas do exército mostram um mural idolatrando o líder da gangue Choneros na parede da prisão que eles controlavam efetivamente por anos.

Pesquisas fora do Equador mostram que grupos criminosos com controle sobre prisões exercem enorme influência sobre os que estão do lado de fora. Aqueles em risco de repressão estatal e prisão sabem que devem obedecer às ordens daqueles que controlam as prisões, caso sejam enviados para lá. Com essas prisões servindo como uma base de operações incrivelmente lucrativa, gangues no Equador estendem sua influência para as ruas. De dentro das grades, os líderes coordenam-se com membros do lado de fora para controlar o território local. Esse controle inclui regularmente o estabelecimento de esconderijos seguros para drogas aguardando envio ao norte, microtráfico para residentes locais e exigência de “vacunas” de proprietários de lojas e domicílios.

A violência disparou em 2021 porque o líder da organização de tráfico mais poderosa faleceu, levando a um mortal vácuo de poder à medida que sua organização se voltou contra si mesma. Os Choneros, sob a liderança do Rasquiña, estabeleceram sua dominação ao longo da última década tanto dentro das prisões quanto fora delas. No entanto, após a morte de Rasquiña no final de 2020, sua organização se dividiu em até vinte diferentes grupos. Pesquisas do México e da Colômbia mostram que essas divisões levam a níveis mais altos de violência. No caso equatoriano, as mudanças incessantes nas alianças e os subsequentes massacres nas prisões mergulharam o país na violência vista hoje.

A razão exata para a morte de Villavicencio ainda não foi tornada pública. No entanto, pouco antes de seu assassinato, ele recebeu ameaças dos ainda poderosos Choneros, advertindo-o para parar de discutir pactos narco-políticos. Enquanto as gangues se enfrentam pelo controle das rotas e mercados de drogas, pesquisas do México sugerem que eles buscarão cada vez mais proteção política para se isolar da repressão estatal. Efetivamente, eles ameaçam e subornam políticos para forçá-los a controlar as forças de segurança. A morte de Villavicencio infelizmente se encaixa nessa compreensão. Ele ameaçou valiosos pactos criminais-políticos, e assim o mataram. Esperançosamente, o novo presidente do Equador não dependerá de “soluções” repressivas, abusivas ou corruptas de curto prazo. Em vez disso, deverá confrontar e desmantelar os sistemas de poder – os pactos ilícitos-políticos – que perpetuam a violência vista hoje.

 * Tradução realizada pela pesquisadora do FBSP, Amanda Lagreca. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado no http://fontesegura.forumseguranca.org.br/prison-politics-and-political-assassinations-in-ecuador/

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