Segurança pública nos municípios 08/05/2024

Planos Nacionais de Segurança e o protagonismo municipal

É necessário reafirmar o município enquanto gestor da política pública local de segurança, com enfoque especial na prevenção da violência

Compartilhe

Cristina Gross Villanova

Advogada, mestre em segurança cidadã pelo PPG/UFRGS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A Constituição Federal de 1988 foi um importante marco para os municípios, com o reconhecimento destes enquanto entes federados, passando a integrar a estrutura federativa do país. A mudança se traduziu, na década seguinte, na municipalização das principais políticas sociais – saúde, assistência social e educação – atuando para garantir o exercício da cidadania por meio do acesso ao atendimento integral, universal e gratuito. Essa universalidade só poderia ser eficaz com a operacionalização compartilhada desses sistemas, majoritariamente, por parte dos municípios.

Já a segurança pública, no mesmo período, não era considerada uma política social, eis que estava restrita exclusivamente à atuação das forças de segurança pública estaduais e federais, cabendo ao município, pela CF/88, art. 144, §8, a criação de Guardas Municipais, se assim o quisessem os gestores locais, para a proteção de prédios e equipamentos públicos.

Foi a partir da criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) no Ministério da Justiça, em 1995, e da instituição do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública “O Brasil diz não à violência” (2000/2002) que os municípios foram apresentados como copartícipes na implementação de ações de segurança pública, especialmente pela possibilidade de recebimento de recursos da União, disponibilizada pela Lei que institui, à época, o Fundo Nacional de Segurança Pública (Lei 10.201/2001)[1].

Muito embora o papel do município fosse apresentado, neste primeiro Plano, de forma bastante difusa, eis que um documento estruturado a partir de compromissos e ações eminentemente de natureza repressiva indicava que secretarias municipais de assistência social, entre outras, seriam necessárias para a implementação deste Plano. Diretamente como ação municipal, apenas a menção ao incentivo à criação de Guardas Municipais, desde que dissociadas das forças de segurança pública estaduais.

Foi por meio da criação do PIAPS – Plano de Integração e Acompanhamento de Programas Sociais de Prevenção da Violência (2001-2002) -, que houve a focalização de ações voltadas a prevenir a violência e criminalidade em âmbito municipal, por meio da focalização de diversas ações federais, estaduais e locais, em municípios com indicadores mais severos de criminalidade.

Já o Plano Nacional de Segurança Pública denominado “Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública” (2003-2006) apresentou na sua construção não apenas um rol de ações necessárias para a qualificação da atuação das Guardas Municipais, como também diretrizes e um farto arcabouço teórico e orientador para o estabelecimento de uma “Política Nacional para a Segurança Municipal”. Além da integração com os demais entes federativos, há um destaque fundamental para a atuação do município na prevenção da violência e criminalidade, com caráter interdisciplinar, para redução de fatores de risco à violência e aumento da resiliência de grupos em situação de vulnerabilidade.

Mas foi a partir do Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (2007-2010) – que os municípios tiveram um protagonismo na segurança pública[2], a partir da implementação de políticas públicas locais de prevenção à violência, focadas no território, no público de determinada faixa etária e em situação de vulnerabilidade social.

No Pronasci, o Governo Federal enfatizou como prática de atuação na segurança pública a atuação repressiva de forma articulada com a implementação de políticas públicas sociais, educacionais, de garantia de direitos, entre outros, em territórios com altos indicadores de violência e criminalidade, visando à redução de fatores de risco e ao aumento de fatores de proteção à violência e criminalidade.

Sem um enfoque de atuação municipal na segurança pública no período de 2016 a 2022[3], é necessário destacar a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e instituiu o Sistema Único de Segurança Pública, com a previsão de atuação dos municípios na segurança pública, de forma integrada aos demais entes federados.

Em 2023, o Pronasci é reeditado, com grande expectativa por parte dos municípios, que querem retomar o protagonismo local na implementação de projetos apoiados pelo programa, assim como no recebimento de recursos financeiros. Ao longo do ano foram publicados três editais de chamamento público para apresentação de projetos, sendo dois deles exclusivos para municípios, e um terceiro compartilhados com os estados.

O Programa possui como eixos prioritários o fomento às políticas de enfrentamento e prevenção de violência contra as mulheres; às políticas de segurança com cidadania e foco em territórios vulneráveis e altos indicadores de violência; às políticas de cidadania, com foco no trabalho e no ensino formal e profissionalizante para presos e egressos; apoio às vítimas de criminalidade; e combate ao racismo estrutural e aos crimes decorrentes.

O que é importante destacar é que, até a criação do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, os municípios eram chamados exclusivamente para apoiar ações desenvolvidas pelos órgãos estaduais de Segurança Pública, por meio da disponibilização de recursos financeiros para pagamento de aluguel de imóveis, compra de gasolina, aquisição e manutenção de veículos, entre outros[4].

Com o Governo Federal assumindo um papel indutor de uma política nacional, foi possível observar o crescimento do município como partícipe na segurança pública, assim como na inserção do tema da prevenção da violência na pauta da segurança pública, rompendo com uma visão tradicional de que essa era uma política pública voltada somente à implementação de ações repressivas e de competência exclusiva dos estados.

É importante que fique evidente o papel a ser desempenhado pelos municípios na segurança pública, para que não haja uma mera reprodução de práticas que efetivamente não contribuem para a qualificação da segurança pública.

Além disso, o município não pode ser reduzido, na segurança pública, à instituição da guarda municipal, a qual possui um papel importante, mas que não é o fator central na política municipal de segurança, devendo haver uma preocupação muito maior com a gestão da política pública, assim como na integração entre as diversas políticas públicas que se constituem como necessárias ao exercício da cidadania, assim como na interlocução com outros atores e competências, especialmente da sociedade civil.

[1] Nesse sentido, Kahn e Zanetic, 2009, p. 83, e Costa e Lima, 2014, p. 485.
[2] Protagonismo evidenciado pela Pesquisa Nacional de Informações Básicas Municipais (MUNIC) de 2021, a partir de dados coletados em 2019, realizada pelo IBGE desde 1999, que faz um levantamento periódico sobre informações relacionadas à estrutura, dinâmica e funcionamento de instituições públicas municipais, entre elas, as de segurança pública e por Robson Sávio de Souza, 2015, p. 195.
[3] No período de 2011 a 2014 foram realizadas ações prioritárias, sendo que muito embora os municípios continuassem recebendo recursos do FNSP e do Pronasci para a implementação de ações de prevenção à violência e criminalidade, não havia um protagonismo direcionado à atuação dos municípios na segurança pública.
[4] Lima; Ricardo, 2011.

Newsletter

Cadastre e receba as novas edições por email

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

EDIÇÕES ANTERIORES