Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No dia 21 de setembro, em um prédio localizado na zona central da capital paulista, a ex-jogadora de vôlei Walewsca Oliveira, de 43 anos, foi encontrada já sem vida na sacada de um dos apartamentos do 1º andar, após cair do 17º andar do condomínio onde estava hospedada. No andar de onde ela caiu havia uma área de lazer, na qual Walewsca passou as últimas horas de sua vida. Segundo as informações disponíveis na mídia, no local foram encontradas uma garrafa de vinho, uma taça, o celular de Walewska e uma pasta, que continha, entre outras, uma folha de papel A4 com inscrições descritas como uma suposta carta, com mensagens de despedida destinadas à família e amigos. Posteriormente foi divulgada uma troca de mensagens via aplicativo, que a ex-jogadora fizera com seu marido, com quem estaria em processo de separação, em um fim de relacionamento. A mensagem divulgada tem o horário de 18:07 e apresenta o seguinte conteúdo: “Amo você! ♥ Mas acho que você já tomou sua decisão.” No boletim de ocorrência, também segundo informações midiáticas, a hora da queda foi apontada como sendo 18:09.
O local, conforme matérias divulgadas, possui câmeras de videomonitoramento nos corredores e seu acesso se dá apenas pelos moradores por uma porta habilitada com biometria facial. Walewska teria passado sozinha pela porta às 16h50 daquele dia. Antes de morrer, a ex-jogadora foi vista por uma auxiliar de limpeza do condomínio, que, juntamente com outras testemunhas ouvidas, teria reportado que ela não demonstrava qualquer sinal de tristeza ou preocupação.
O caso de Walewska ainda é tratado como morte suspeita (ou a esclarecer), mas a conclusão do inquérito deve apontar para um caso de suicídio (ou autoeliminação).
Na casuística da perícia em local de crime, os casos de suicídio se destacam por representar para os peritos dois grandes desafios: um técnico, já que muitas vezes o oferecimento seguro de uma conclusão inequívoca que aponte o suicídio nem sempre é possível, e outro que é o de lidar com um tipo de ocorrência que por si só incorpora um forte apelo emocional. Não raro essas perícias ocorrem em ambientes onde a própria família da vítima se encontra. Entender a mente de alguém que é levado a escolher dar fim a sua própria vida também é um grande desafio, que muitas vezes recai sobre peritos especializados em psicologia e psiquiatria forense. A chamada “autópsia psicológica” é um exame já consagrado, que visa apontar se uma pessoa teria tendências a cometer o ato, através do acesso a elementos de sua personalidade encontrados em um histórico de vida e em relatos de seus familiares e conhecidos.
No caso de Walewsca, a morte se deu por precipitação; em outras palavras, uma queda livre, que pode ter sua etiologia associada às três modalidades de morte violenta: homicídio, suicídio e acidente. Descartar duas dessas hipóteses e apontar aquela efetivamente ocorrida ou mais provável é o desafio do perito de local. Tecnicamente, essa nem sempre é uma tarefa das mais fáceis. Vamos considerar alguns dos elementos presentes no caso, já divulgados, que apontam para um provável suicídio:
- A vítima encontra-se sozinha no local onde se definiu o ponto de projeção, o que inviabiliza uma ocorrência de homicídio;
- A suposta carta de despedida destinada a familiares e amigos (e que pode conter mensagem claramente suicida);
- A mensagem verificada no celular do marido, imediatamente anterior ao momento da queda;
- Elementos considerados como um “ritual de alívio”: a carta, a mensagem, a última taça de vinho, falam a favor de uma dinâmica na qual a vítima criou uma espécie de simbolismo ritualístico para seus últimos momentos;
- As circunstâncias pelas quais passava a vítima em relação ao seu momento pessoal de vida, enfrentando uma perda relacionada ao fim de um relacionamento de 20 anos, poderia explicar um possível “gatilho”, justificando a motivação e a intencionalidade do ato, neste caso certamente impulsivo;
Visto dessa forma, o caso da ex-jogadora é, minimamente, indicativo de uma autoeliminação, mas é preciso que todos os laudos sejam divulgados e também que o relatório final do inquérito seja apresentado.
Por uma triste coincidência, o caso de Walewsca ocorre exatamente durante o mês de setembro, chamado de “Setembro Amarelo”, denominação de uma campanha internacional de prevenção ao suicídio já consagrada desde 2014, trazida ao país e divulgada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), considerada a maior campanha antiestigma do mundo. Sempre no dia 10 do mês comemora-se o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Este ano o lema foi: “Se precisar, peça ajuda!”.
Dados extraídos no site da campanha apontam que:
“De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2019, são registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar os episódios subnotificados; com isso, estima-se mais de 1 milhão de casos. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano; ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia.”
Assim como o suicídio permanece como um desafio a ser enfrentado pelas autoridades ligadas à saúde pública, em termos periciais esses locais continuam nos desafiando e exigindo sempre uma abordagem técnica especializada.