Os números da violência letal no Brasil em 2022 inspiram cautela e demandam prioridade na agenda pública
A divulgação do panorama da violência letal no Brasil em 2022 nos dá a oportunidade de advogar junto às gestões governamentais que se iniciam pela centralidade que o tema da segurança pública precisa assumir na agenda pública do país
David Marques
Coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Thais Carvalho
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e estagiária do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O Monitor da Violência, iniciativa do G1 realizada em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), publicou nesta semana (01) dados relativos aos crimes violentos letais intencionais (CVLI), isto é, a soma de homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios no Brasil ao longo de 2022. Um dos destaques é a oscilação negativa de 1% no número de mortes violentas de todo o país. Embora a estabilização do patamar da taxa de homicídios seja uma boa notícia para o país, um olhar mais atento às tendências regionais e às curvas trimestrais inspira atenção e cautela.
Ao todo, foram registradas 40,8 mil CVLI em todo o país no ano que se encerrou. De forma desagregada, os estados que apresentaram maiores quedas foram Amapá (28,8%), Roraima (14,1%) e Ceará (10%). Em contrapartida, Mato Grosso (24,1%), Acre (19,3%) e Rondônia (13,3%) apresentaram as maiores altas do período. Isto é, a tendência de estabilização das mortes não é encontrada em todos os estados.
Adicionalmente, quando desagregamos os dados por trimestre, pode-se observar um crescimento de 6,5% nos CVLI do último trimestre de 2022 em relação ao mesmo período do ano anterior. Para esse período, vale destacar as elevações da Bahia e Tocantins, com 56,6% e 41%, respectivamente, de crescimento. São Paulo apresentou 22,1% de aumento das mortes violentas no quarto trimestre de 2022 (no ano, o número de CVLI neste estado observou elevação de 7,1%). Este fato é preocupante, visto que São Paulo apresentava redução quase ininterrupta em seu indicador de homicídios ao longo das últimas décadas. Outro estado que apresentou crescimento que merece destaque foi Minas Gerais, com aumento de 6,3% no ano. Esses dados colocam em questão a tendência de redução dos homicídios que o Brasil vinha apresentando desde o último trimestre de 2018.
É certo que as mortes violentas intencionais são fenômenos multicausais e sua análise, sempre desafiadora, deve ser realizada com responsabilidade. Contudo, alguns fatores possuem capacidade de influenciar de forma mais importante estes números. As transformações na dinâmica criminal, sobretudo considerando o modelo faccional do narcotráfico predominante no Brasil, o desenvolvimento de melhores políticas estaduais de segurança pública, com maior articulação entre as polícias estaduais, delas com outros órgãos, e com monitoramento periódico de seus resultados, o descontrole na política de acesso a armamento e munição, assim como fatores demográficos, devem ser levados em consideração para analisarmos os contextos regionais de modo a poder melhor compreender os resultados do país. Em 2022, o FBSP buscou contribuir com a análise das tendências estaduais por meio de uma edição especial do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, dando espaço para pesquisadores/as locais discutirem as variáveis mais relevantes no contexto local nos últimos 4 anos.
Por fim, a divulgação do panorama da violência letal no Brasil em 2022 nos dá a oportunidade de, uma vez mais, advogar junto às gestões governamentais que se iniciam neste 2023 em torno da centralidade que o tema da segurança pública precisa assumir na agenda pública do país. A reforma e modernização das instituições de segurança pública, a implementação do Sistema Único de Segurança Pública e de seus instrumentos e políticas, a melhor articulação deste segmento com as instituições do sistema de justiça criminal são temas que merecem estar na ordem do dia, sob o risco de não evitarmos que piores resultados em termos de medo e violência venham à tona brevemente.