Cássio Thyone Almeida de Rosa
Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Iniciamos nossa coluna contextualizando o tema de hoje. Em 14 de agosto passado, abordamos na coluna Perícia em Evidência as mortes ocorridas durante a Operação Escudo, reproduzindo a seguir parte do primeiro parágrafo da publicação:
“No dia 26 de julho, um policial militar da ROTA de São Paulo, Patrick Bastos Reis, foi morto na cidade de Guarujá, próximo à comunidade Vila Zilda, durante atividade de patrulhamento. Essa ocorrência gerou uma operação iniciada no dia 27 de julho, efetivada em duas comunidades dessa cidade, Vila Julia e Vila Zilda, denominada Operação Escudo, com o objetivo de prender os autores da morte do PM, e que empregou cerca de 600 policiais.”
Foram contabilizadas nessa operação 28 mortes, sempre associadas a confrontos com policiais, conforme justificativas oficiais.
No último dia 18 de outubro, a mídia noticiou resultados de laudos balísticos produzidos pela Superintendência de Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo referentes ao caso.
As informações deram conta de que um laudo concluiu que o projétil que matou o soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Patrick Bastos Reis, 30 anos, no Guarujá, Baixada Santista, não partiu da pistola 9 mm apreendida pela Polícia Civil.
A arma submetida ao exame pericial foi achada num beco da comunidade Vila Júlia, após uma denúncia anônima, em seguida aos desdobramentos da morte do policial.
Três moradores da comunidade foram presos, dentre eles os irmãos Erickson David da Silva, 28, o Deivinho, e Kauã Jason da Silva, 19 anos, e Marco Antônio de Assis Silva, 25 anos, o Mazzaropi.
Deivinho é acusado de ser autor dos disparos que tiraram a vida do soldado Reis e que feriram o sargento Guilherme Sutério Gomes, enquanto seu irmão Kauã e Mazzaropi são considerados suspeitos de terem participado do atentado contra os policiais. Todos estão presos na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP).
Segundo matéria jornalística, nos depoimentos Deivinho se disse inocente, negando ter participado da morte do PM, acusando Mazzaropi de ter sido o responsável pelos disparos. Já Mazzaropi alega que quem atirou foi Deivinho.
O que se pode extrair das informações relativas às perícias balísticas? Será que a Perícia pode resolver essa questão?
Inicialmente temos que compreender que o laudo de confronto balístico parece ter sido conclusivo quanto à arma apreendida, uma pistola 9mm com numeração de série raspada ter sido o instrumento empregado na morte do soldado. A informação trazida na matéria jornalística permite o seguinte entendimento: teriam sido efetuados confrontos entre o projétil de arma de fogo extraído do corpo do soldado durante a necrópsia e 14 projéteis considerados padrões, obtidos com a própria arma suspeita. O resultado foi negativo.
O laudo informaria também que a arma examinada, uma pistola 9mm, estava em péssimo estado de conservação, mas apresentava-se apta à realização de disparos. É o que chamamos de Exame de Eficiência de Arma de Fogo, exame certamente feito antes do próprio confronto balístico. Caso a arma não estivesse apta para disparos, estaríamos diante de duas possibilidades: ela não ter realizado os disparos em questão ou ainda poderia ter sido danificada posteriormente à sua utilização no evento. Estando apta, a arma seguiu para o confronto balístico.
A matéria jornalística acessada informa ainda que:
“O laudo atesta que as marcas e os picotes dos estojos não foram produzidos pela arma apreendida por policiais civis na favela”. Grifo nosso.
Essa informação permite deduzir que, além do confronto balístico de projétil de arma de fogo realizado, o exame também teria envolvido estojos de cartuchos deflagrados, provavelmente coletados no local dos fatos. Trata-se aqui de confronto balístico de estojos. Para esse exame, o resultado, segundo a matéria apontou, demonstra também um resultado negativo, ou seja, são dois tipos de confrontos, de projétil e de estojos, e em ambos o mesmo resultado, reforçando-se assim o próprio resultado que exclui a hipótese de emprego da arma.
Mas e questão da autoria dos disparos? Poderia também ser esclarecida por algum outro exame? A perícia, segundo a reportagem, procurou também realizar exame residuográfico para detectar se nas mãos de Erickson (Deivinho) havia sinais de pólvora. Resultado negativo.
Aqui é preciso esclarecer: não há informação sobre o método empregado, e, a depender dessa informação, o exame residuográfico pode não significar praticamente nada, ou seja, nada esclareceria, independentemente de seu resultado.
Enfim, a perícia, embora uma prova indispensável, nem sempre vai resolver todas as questões, mas mesmo assim colaborará para que uma “verdade” seja construída.