Múltiplas Vozes 28/08/2024

O uso das práticas restaurativas para prevenir condutas de assédios moral e sexual e discriminações na Justiça Militar do Rio Grande do Sul

A Justiça Restaurativa pode contirbuir para a promoção de um ambiente de trabalho saudável, seguro e digno, trazendo para as pessoas que nele labutam a harmonia, o equilíbrio e a paz

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Francine Feldens

Mestra em Ciências Criminais PUCRS. Analista do Poder Judiciário JMERS. Facilitadora de Círculos de Construção de Paz. Integrante do GPESC/PUCRS e Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

O Projeto de Justiça Restaurativa desenvolvido na Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul – JR na JMERS – em cumprimento às recentes alterações à Resolução nº 351, de 28 de outubro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que cuida da Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, inovou ao inserir o uso das práticas restaurativas nos fluxos de procedibilidade dos processos administrativos que cuidam das condutas de assédio moral, assédio sexual e discriminações. Os círculos de construção de paz e as mediações vítima-ofensor estão sendo utilizados para a soluções desses conflitos desde junho de 2023.

A Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação determina o processamento de todas as condutas de assédio e discriminação no âmbito das relações socioprofissionais e da organização do trabalho no Poder Judiciário, praticadas presencialmente ou por meios virtuais. Além da proteção aos magistrados e servidores, o ato normativo abrange, e com grande assertividade, a proteção dos estagiários, dos aprendizes, dos prestadores de serviços, dos voluntários e de outros colaboradores independentemente do vínculo jurídico mantido. A Política – baseada no princípio da dignidade da pessoa humana, no valor social do trabalho, no direito à saúde e na segurança no trabalho – visa promover a igualdade, com respeito às diversidades, e combater os assédios moral ou sexual e a discriminação por qualquer motivo, a fim de minimizar os riscos psicossociais e garantir a saúde mental no ambiente de trabalho.

O CNJ, ao instituir a Política, fundamentou sua construção na Convenção Interamericana sobre Toda Forma de Discriminação e Intolerância; na Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância; na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência; na Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão; e nos Princípios de Yogyakarta. Por fim, o Conselho considerou sua adesão ao pacto pela implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), entre os quais estão o apoio e o respeito à proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, bem como com a sua não participação em violações destes direitos.

Entre as diretrizes gerais, a Política promove a transversalidade, que nada mais é do que a integração dos conhecimentos e das diretrizes sobre assédio e discriminação ao conjunto das políticas e estratégias de ação institucionais, de modo a garantir sua implementação em todas as dimensões da organização. Nesse cenário, surge o campo de atuação da Justiça Restaurativa, que promove a escuta, o acolhimento e o acompanhamento das pessoas que voluntariamente participam das práticas restaurativas. O incentivo às abordagens de práticas restaurativas para resolução de conflitos também aparece como diretriz geral da Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação.

Segundo MARSHALL (1999), a Justiça Restaurativa pode ser definida como “[…] um processo no qual todas as partes ligadas de alguma forma a uma particular ofensa vêm discutir e resolver coletivamente as consequências práticas da mesma e as suas implicações no futuro”. Nessa mesma linha ZEHR (2014) se refere à Justiça Restaurativa como “[…] uma abordagem que visa promover a justiça e que envolve, tanto quanto possível, todos aqueles que têm interesse numa ofensa ou dano específico, num processo que coletivamente identifica e trata os danos, necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de restabelecer as pessoas e endireitar as coisas na medida do possível”. A Justiça Restaurativa possui práticas baseadas no diálogo, na corresponsabilidade, na voluntariedade, na confidencialidade e na reparação dos danos, quando possível. Ela possibilita a construção de espaços seguros de acolhimento e de escuta para a vítima, o ofensor e a comunidade atingida, e na partilha de vivências.

Os círculos temáticos realizados pela JR na JMERS se inserem nas ações preventivas e educativas, que buscam promover a melhoria do ambiente de trabalho a partir de perguntas norteadoras focadas no conhecimento sobre o outro e sobre si, na conexão, na interação e na melhoria na comunicação entre os participantes. Os temas utilizados levam em consideração que as práticas de assédio e de discriminação são formas de violência psicológica que afetam a vida das pessoas, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, podendo ocasionar graves danos à saúde física e mental, inclusive a morte, constituindo risco psicossocial concreto e relevante na organização do trabalho.

Figura 1 – Peça de centro de um dos círculos restaurativos da JMERS.

Assessoria de Comunicação TJMRS

Fonte: Assessoria de Comunicação TJMRS.

Os círculos de diálogo propiciam a oportunidade de fala a todos os participantes construindo um rico campo de colheita de manifestações e de sugestões para que o ambiente de trabalho se torne mais saudável e seguro. O Projeto de JR na JMERS realizou círculos somente entre mulheres, somente entre homens e círculos mistos. O tema mais abordado para os círculos de diálogo foram os comportamentos indesejáveis e não admissíveis no ambiente de trabalho. A Figura 1 apresenta uma peça de centro de um dos círculos restaurativos da JMERS sobre a temática do assédio realizado somente entre homens. Enquanto a Figura 2 representa a peça de centro de um dos círculos restaurativos que ocorreu na JMERS somente entre mulheres também sobre a temática dos assédios moral e sexual.

Figura 2 – Peça de centro de outro dos círculos restaurativos da JMERS

Fonte: Assessoria de Comunicação TJMRS.

Outra técnica restaurativa utilizada para solução de conflitos dessa natureza na Justiça Militar foi a mediação vítima ofensor. Aplicada em delitos de maior potencial ofensivo, consiste na aplicação de técnicas autocompositivas e consensuais de solução de conflitos, nos casos em que a figura da vítima e do ofensor são bem definidas. No caso de utilização dessa técnica, em alguns casos também houve a aplicação de círculos de construção de paz na finalização de todo o processo.

Futuramente, a JR na JMERS pretende promover as técnicas e as práticas restaurativas para tratamento da temática do assédio moral, do assédio sexual e das discriminações nas Corporações Militares, para, por exemplo, melhorar o vínculo das equipes e o diálogo entre as pessoas com as quais esses agentes se relacionam dentro e fora dessas Instituições. A Justiça Restaurativa traz um novo olhar para o ser humano, para as relações e para nós mesmos, sendo capaz de auxiliar na promoção de um ambiente de trabalho saudável, seguro e digno, trazendo para as pessoas que nele labutam a harmonia, o equilíbrio e a paz.

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