O Setembro Amarelo na Segurança Pública
Que as atividades relacionadas a este período de reflexão a respeito do suicídio proporcionem informação, acesso a serviços e valorização dos profissionais de segurança pública. É importante que a discussão abra caminho para a consolidação de uma agenda de prevenção e cuidado ao longo de todo o ano
Juliana Martins
Psicóloga e Coordenadora Institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, 10 de setembro, promove, ao longo deste mês, diferentes ações de conscientização, alerta e prevenção ao suicídio. Campanhas que visam reduzir estigmas, quebrar tabus e tratar de maneira direta uma realidade que é difícil de ser encarada em nossa sociedade, sobretudo no campo da segurança pública. Iniciativas que atraem visibilidade para um tema que deveria ser prioritário durante todo o ano: prevenção ao suicídio e saúde mental.
Dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicaram o agravamento de um cenário que já era preocupante. Uma alta de 26,2% no número de policiais civis e militares mortos por suicídio em 2023 em relação ao ano anterior. Pela primeira vez desde que o FBSP passou a monitorar esses indicadores, os números de policiais militares mortos por suicídio superaram os de mortos por confronto na folga e por confronto em serviço.
A saúde mental de policiais é um tema fundamental e tem sido uma pauta importante para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além dos dados do Anuário, aqui no Fonte Segura foi publicada uma série de textos e análises de pesquisadores e policiais, reunidos na editoria Setembro Amarelo. Por conta da urgência que nos convoca a refletir e a propor caminhos para o enfrentamento do adoecimento de policiais, organizamos uma conferência internacional em nosso Encontro anual, no mês passado.
Em 13, 14 e 15 de agosto de 2024 realizamos em Recife o 18º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Reunimos, por três dias, quase mil pessoas interessadas em discutir temas de segurança pública. A saúde mental dos profissionais da área foi objeto de conferência organizada pelo FBSP com participação de Madeline Kramer, gerente sênior da International Association of Chiefs of Police (IACP), Martin Bartness, diretor sênior do Police Executive Research Forum (PERF), Dayse Miranda, diretora-presidente do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES), e mediação de Isabel Figueiredo, diretora do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. A conferência mostrou que o assunto também tem atraído a atenção de autoridades nos EUA e proporcionou reflexões e recomendações sobre prevenção do adoecimento e proteção de profissionais.
O IACP apresentou os trabalhos que tem desenvolvido e trouxe exemplos de como as organizações policiais podem implementar políticas de prevenção. Madeline destacou a necessidade de se forjar uma cultura de liderança que dê suporte aos profissionais, mas também forneça exemplos positivos via atitudes e comportamentos. Ela sugere que uma política institucional de cuidado comece por uma auditoria das políticas e práticas de prevenção de suicídio na instituição, paralela a uma avaliação de fatores de estresse e necessidades de recursos – humanos, técnicos e financeiros – para desenvolvimento de um plano estratégico e um cronograma para implementação de ações.
Segundo ela, a criação de uma cultura do cuidado e de prevenção precisa incorporar práticas fundamentais como:
normalizar e aumentar os comportamentos de busca de ajuda (tornar o apoio à saúde mental uma rotina; garantir serviços de profissionais de saúde e exames periódicos);
fornecer acesso a provedores de saúde mental treinados em prevenção de suicídio e cultura policial;
criar uma cultura de liderança que apoie a saúde mental;
divulgar mensagens seguras e positivas (ser capaz de comunicar a importância da saúde mental e do bem-estar, por meio de comunicação frequente e consistente e treinamento para agentes de informações públicas);
criar estratégias que ajudem os profissionais a desenvolverem resiliência e habilidades de enfrentamento saudáveis (oferecer treinamento de resiliência e habilidades para a vida, pensamento crítico, gerenciamento do estresse, estresse econômico e problemas de relacionamento);
identificar e auxiliar pessoas em risco (instruir a equipe sobre o reconhecimento de sinais de alerta, abordar o que fazer quando os sinais forem observados, criar políticas e protocolos, divulgar informações rotineiramente);
desenvolver e fortalecer o suporte aos colegas (organizar equipe de apoio de colegas, consultar leis aplicáveis sobre confidencialidade, criar um processo de triagem, fornecer treinamento);
fortalecer os suportes e as conexões (educar as famílias, identificar grupos de risco, treinar redes de apoio, estabelecer linhas de comunicação para a família);
ser uma instituição preparada para fornecer apoio durante as transições (oferecer apoio após uma lesão, realizar controles individuais, preparar os oficiais para a aposentadoria); bem como fornecer apoio após uma morte ou tentativa de suicídio (desenvolver um plano de pós-intervenção; implantar equipes de apoio à família, fornecer apoio no aniversário da morte, homenagear as pessoas que morreram por suicídio)[1].
O PERF (Police Executive Research Forum) apresentou um estudo de caso do Departamento de Polícia de Baltimore, nos EUA, que mostra como o policial tem contato com o chefe do Programa de Saúde Mental desde o ingresso na instituição e passa a ter conhecimento sobre possíveis impactos do trabalho policial na saúde mental dos trabalhadores do setor.
Para Martin Bartness, é muito comum que policiais sejam acometidos por problemas de saúde mental como transtornos de ansiedade e depressão. Sabendo disso, a instituição educa os policiais desde o ingresso a identificar sinais e entender como a exposição à violência pode afetar a vida pessoal e profissional. Em vídeo exibido durante o Encontro do FBSP, o chefe do Programa de Saúde Mental da Polícia de Baltimore utilizou uma metáfora de uma esponja, comparando os policiais a esponjas imersas em água, sendo a água os traumas que enfrentam ao longo da carreira, por conta da exposição cotidiana a situações de violência. Munidos de esponjas e baldes de água, os policiais em formação inserem a esponja repetidas vezes no balde e logo percebem que, se não a espremerem, não colocarem a água para fora, a esponja fica encharcada, pesada, impossibilitada de ser utilizada. Dessa maneira, são incentivados a falar sobre suas experiências traumáticas, de modo a não naturalizarem o que a gente vê acontecer com frequência aqui no Brasil: de que o policial precisa aguentar tudo porque é um herói.
O programa da Polícia de Baltimore incentiva a conscientização organizacional em relação ao problema, por meio de treinamento de recrutas, treinamento em serviço, intervenção precoce e programas de ioga, meditação, aconselhamento e aplicativos de celular, de maneira a deixar a ajuda acessível.
O PERF, assim como o IACP, traz recomendações para a prevenção do suicídio de policiais: coleta de dados, autópsias psicológicas, exames de rotina de saúde mental, liderança a partir do topo, política de remoção de armas, programas de suporte confidenciais, ferramentas de fácil acesso, parcerias regionais e apoio à família.[2]
Dayse Miranda, uma das pioneiras nos estudos e pesquisas sobre suicídio de policiais no Brasil, apresentou o trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES) com a capacitação de servidores e policiais para a prevenção e “posvenção” de suicídios, além da produção de dados e informações a respeito, como o trabalho que fazem com o Boletim de Notificações de mortes violentas intencionais e tentativas de suicídios entre profissionais de segurança pública no Brasil.[3]
O Encontro do FBSP em Recife marcou ainda a adesão do estado de Pernambuco ao programa Escuta SUSP, da Secretaria Nacional de Segurança Pública. É um projeto do Ministério da Justiça e Segurança Pública, voltado, por enquanto, para profissionais do Corpo de Bombeiros Militar, da Polícia Científica, da Polícia Civil, da Polícia Militar ou da Polícia Penal para o atendimento psicológico online. O projeto é executado pela Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com a Universidade Federal de Sergipe, Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Universidade de Brasília.[4] Atualmente aderiram ao programa os estados de Minas Gerais, Sergipe, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Distrito Federal, mas a ideia é que esse serviço seja ampliado para outros estados. Além do atendimento psicológico online são oferecidos cursos (curso de suporte entre pares – prevenção ao suicídio; curso de autocuidado; curso sobre gestão humanizada e saúde mental para gestores) e são disponibilizados também materiais informativos em redes sociais e lives e conversas em grupos temáticos.
Que o Setembro Amarelo proporcione informação, acesso a serviços e valorização dos profissionais de segurança pública. É importante que a discussão não fique restrita a esse mês, mas que abra o caminho para a consolidação de uma agenda de prevenção e cuidado ao longo de todo o ano.