Múltiplas Vozes 30/11/2022

O legado da Copa do Mundo de 2014

O principal legado da Copa de 2014 não foi tecnológico, mas metodológico. As forças de segurança aprenderam uma nova forma de planejar e coordenar a segurança de grandes eventos. É pouco diante do volume de gastos realizados

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Arthur Trindade M. Costa

Professor de sociologia da Universidade de Brasília e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A Copa do Mundo FIFA 2022 começou na semana passada. Torcedores de todo mundo estão grudados na televisão, torcendo por suas seleções. Enquanto todos se entretêm com as imagens dos gols, das jogadas e da festa das torcidas, os cidadãos do país-sede percebem o evento por um ângulo diferente. Para eles, a Copa é sinônimo de obras, investimentos e gastos públicos. Está sendo assim no Catar, foi assim na Rússia e no Brasil, para ficar nos casos mais recentes.

É inevitável pensar nos mega-investimentos feitos para a realização da Copa de 2014 no Brasil. Além de construir e reformar estádios, aeroportos e hotéis, foram feitos gastos vultosos na área de segurança pública. Resta perguntar: qual foi o legado da Copa de 2014 para a segurança pública?

Para coordenar os investimentos em segurança pública, o governo federal criou a Secretaria Extraordinário para Segurança de Grandes Eventos em 2011. A SESGE foi responsável pela coordenação e preparação da segurança da Jornada Mundial da Juventude (2013), Copa das Confederações FIFA (2013), Copa do Mundo FIFA (2014), Jogos Olímpicos (2016) e Jogos Paralímpicos (2016). Portanto, os investimentos tinham por objetivo a preparação para diversos eventos.

Segundo o portal da transparência, entre 2011 e 2015 a SESGE gastou R$ 957,5 bilhões. Os maiores gastos foram na aquisição de equipamentos e material permanente (57,7%), seguido por obras e instalações (16,8%) e contratação de serviços (16,6%). O governo federal comprou e repassou aos estados viaturas, armas, coletes e equipamentos de comunicação. Também foram construídas novas instalações de batalhões e delegacias.

Sem dúvida, o principal investimento foi a implantação do Sistema Integrado de Comando e Controle (SICC) que representaria uma mudança de paradigma na coordenação operacional da segurança de grandes eventos. O SICC era composto por  12 Centros Integrados de Comando e Controle Regionais (CICCR), construídos em cada uma das cidades-sede. Também foi implantado um Centro Integrado de Comando e Controle Nacional (CICCN).  Os CICCR dispunham de modernos sistemas de comunicação e de monitoramento por imagens. Essa base tecnológica visava facilitar a troca de informações, melhorando a articulação das ações. Além dos CICCR, cada estado recebeu Centros Integrados de Comando e Controle Móveis (CICCM) e as Plataformas de Observação Elevadas (POEs).

Apesar do grande investimento tecnológico, a maior inovação dos CICCR dizia respeito à metodologia de planejamento e trabalho, cujo principal instrumento é a elaboração de uma matriz de responsabilidade. Essa é uma tarefa conjunta das Secretarias de Segurança Pública, das polícias e de outros órgãos da administração pública, responsáveis por áreas como limpeza urbana, água e esgoto, eletricidade, saúde, transporte e justiça.

Na matriz de responsabilidade são listadas diversas situações e incidentes com alto potencial de impacto na segurança pública: atentados terroristas, incêndios, acidentes de grandes proporções, manifestações, bloqueios de vias etc. Para cada uma dessas situações são relacionadas as atribuições de cada ator envolvido, bem como é estabelecido o responsável pela coordenação das ações. Durante os eventos, cada órgão envolvido deve enviar seus representantes para ocupar seus postos no CICCR, o que facilita bastante essa coordenação e articulação.

Os resultados desse tipo de planejamento e coordenação foram visíveis. Os poucos incidentes que ocorreram durante a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos foram rapidamente resolvidos, pois todos os envolvidos estavam em contato. Foram raros os conflitos de responsabilidade entre os diversos atores, pois a maior parte das situações já estava planejada na matriz.

Passados 8 anos da Copa do Mundo – e do 7 a 1 – verifica-se que boa parte desse material está sucateada. Em alguns estados, os CICCR foram praticamente desmontados e seus equipamentos tecnológicos transferidos para outras áreas do governo. Muitos CICCM e POE estão parados devido a problemas de manutenção.

Por outro lado, nos estados que mantiveram seus CICCR ativos verificou-se o aperfeiçoamento da metodologia de trabalho integrado. Essa metodologia tem sido empregada na segurança de eventos esportivos, manifestações e shows. As ações de defesa civil também têm sido coordenadas a partir dos Centros de Comando e Controle.

Podemos dizer, portanto, que o principal legado da Copa de 2014 não foi tecnológico, mas sim metodológico. As forças de segurança aprenderam uma nova forma de planejar e coordenar a segurança de grandes eventos. É pouco para o volume de gastos realizados.

 

 

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